quarta-feira, 30 de abril de 2008

Sumário da Obra "Gestão de Áreas Protegidas: Processos e Casos Particulares"

SUMÁRIO

Introdução
Ronilson José da Paz & Talden Farias

As Áreas Protegidas na Legislação Brasileira
Ronilson José da Paz, Getúlio Luis de Freitas & Elivan Arantes de SouzaA

s Áreas de Preservação Permanente do Município de Cabedelo à Luz da Legislação Ambiental Vigente
Talden Farias

Natureza e Conservação em Áreas Protegidas: Ordenamento Territorial e Gestão Participativa nos Parques Nacionais
Giovanni Seabra

Gestão Participativa em Unidades de Conservação: O Caso do Parque Estadual da Pedra da Boca, Araruna-PB
Rogério dos Santos Ferreira & Maristela Oliveira de Andrade

Gestão Ambiental Compartilhada do Ecossistema Manguezal no Estuário do Rio Paraíba
Paulo Marinari Rodrigues

Interação da Comunidade Renascer com a Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo (Mata da Amem), Paraíba
Elivan Arantes de Souza, Ronilson José da Paz e Maria do Socorro Viana do Nascimento

Dunas na APA da Barra do Rio Mamanguape - IBAMA/Paraíba
José Paulo Marsola Garcia

Licenciamento Ambiental da Carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape, Rio Tinto, Paraíba
Ronilson José da Paz

O Parque Natural Municipal de Cabedelo, Estado da Paraíba
Walber Farias Marques, Maria das Dores Costa Duarte e Petrúcio Carlo R. de Medeiros

Conservação da Natureza em Áreas Privadas: Uma Análise do Modelo RPPN no Semi-Árido Paraibano
José Irivaldo Alves Oliveira Silva

Estudo Sócio-Econômico da Região do Baixo Rio Branco-Jauaperi (Rorainópolis - Roraima): Área Proposta para a Criação de Reserva Extrativista
Arinalda Cordeiro de Almeida & Josane Franco de Oliveira Xaud

Análise Florística de uma Vegetação Ciliar em Área de Caatinga no Semi-Árido Paraibano
Alecksandra Vieira de Lacerda & Francisca Maria Barbosa

Trilhas Ambientais do Jardim Botânico de João Pessoa
Pedro da Costa Gadelha Neto

Recuperação de Matas Ciliares
Adriano Pereira de Figueiredo

A Título de Apresentação da Obra "Gestão de Áreas Protegidas: Processos e Casos Particulares"

Eis aí parte da introdução da obra "Gestão de Áreas Protegidas: Processos e Casos Particulares":

A Constituição Federal de 1988 alçou o meio ambiente ecologicamente equilibrado à condição de direito fundamental da pessoa humana ao classificá-lo no caput do art. 225 como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Tal reconhecimento importa na atribuição de um grau maior de relevância dentro da esfera de valores jurídicos e políticos, passando a questão ambiental a gozar de mais respaldo e instrumentalidade para se fazer valer. É nessa ordem de idéias que a Constituição, no inciso III do § 1º do referido dispositivo, determina ser obrigação do Estado definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Com isso, a questão das áreas protegidas ganhou um conteúdo mais amplo e forte na legislação infraconstitucional então vigente, que também versava sobre o tema. A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, apresentou como um dos seus mais relevantes sustentáculos a criação de áreas protegidas, chegando a classificar essa prática ao mesmo tempo como princípio, objetivo e instrumento da referida política – fato que por si só prova a importância do assunto.
A Convenção Internacional da Diversidade Biológica define, no seu art. 2º, área protegida como a “área definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação”. A diversidade biológica, também chamada de biodiversidade, cuja conservação é o objetivo final da criação das áreas protegidas, pode ser compreendida como o conjunto de vida existente no planeta ou em determinada parte do planeta.
Com efeito, por área protegida se deve compreender a porção territorial delimitada pelo Poder Público com o intuito de promover a proteção do meio ambiente, seja de forma integral ou não, tendo em vista a relevância dos atributos ambientais ali contidos. Isso implica dizer que somente as áreas ecologicamente representativas devem ser objeto de um regime jurídico especial de proteção, que tem a finalidade de proteger a biodiversidade e de defender a qualidade de vida da população. É com fundamento na Constituição Federal, que classifica o meio ambiente como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que tais áreas podem ser estabelecidas tanto em propriedades públicas quanto privadas.
Afora protegerem a diversidade biológica e servirem para a promoção de pesquisas e de práticas de conscientização e educação na área ambiental, as áreas protegidas são um mecanismo efetivo de combate à degradação do meio ambiente. Há estudos que comprovam que o simples estabelecimento formal de uma área dessas já pode resultar na diminuição significativa do desmatamento e da caça predatória[1]. Prova dessa importância é que, apesar de em alguns casos poderem ser instituídas por mero ato administrativo do Poder Executivo, a Constituição Federal exige expressamente a edição de uma lei formal para a alteração ou supressão de áreas protegidas.
O conceito de áreas protegidas é deveras amplo e abarca institutos tão diversos quanto Área de Preservação Permanente, Área de Proteção Especial, Corredores Ecológicos, Quilombos, Reserva Legal, Terras Indígenas, Tombamento, Unidades de Conservação e Zoneamento Ecológico, além das áreas circundantes de proteção e dos terrenos de marinha. Embora a legislação ambiental disponha sobre o tema de uma forma bastante farta, o fato é que qualquer estudo a respeito da política ambiental brasileira deve necessariamente transcender o mero formalismo. É preciso saber se na prática esses instrumentos estão sendo efetivos no seu objetivo é defender o meio ambiente e a qualidade de vida da coletividade, o que ganha ainda maior relevância no atual contexto da sociedade de risco, panorama em que a crise ambiental assume contornos de ameaça planetária.
Em vista disso, é a atualidade e a importância das áreas protegidas que justifica a publicação da presente obra, que está dividida em quatorze capítulos escritos por pesquisadores respeitados nas mais variadas áreas do conhecimento, abordando as várias facetas do tema. Além da abordagem multidisciplinar, que procura enfocar a questão ambiental a partir da perspectiva das ciências exatas, das ciências naturais e das ciências sociais, é importante destacar a contextualização econômica, política e social que foi feita do assunto em cada capítulo, quando se priorizou o estudo de casos práticos e a análise crítica do assunto. Um outro aspecto a ser destacado é que na maioria dos capítulos o estudo é centrado na realidade nordestina, o que de certo modo vem a preencher um vácuo na bibliografia específica, pois a maior parte dos estudos feitos até então enfatizava principalmente as áreas protegidas da Região Norte, Sul ou Sudeste. Assim, espera-se que este livro possa contribuir para o amadurecimento da discussão com sugestões e questionamentos pertinentes, de forma que esse instrumento tão importante da Política Nacional do Meio Ambiente possa ser cada vez melhor utilizado.


João Pessoa, março de 2008.


RONÍLSON JOSÉ DA PAZ & TALDEN FARIAS
Organizadores da obra

[1] FERREIRA, Leandro Valle; VENTICINQUE, Eduardo; ALMEIDA, Samuel Almeida. O desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas. Estudos Avançados, 2005, vol.19, n. 53, p. 157/166.

"Gestão de Áreas Protegidas: Processos e Casos Particulares"




Ao final do mês de maio Ronílson José da Paz e eu, na condição de organizadores e de co-autores, estaremos lançando um livro pela Editora da Universidade Federal da Paraíba a respeito das áreas protegidas. Trata-se de uma coletânea de trabalhos feitos pelos mais variados profissionais, como advogados, analistas ambientais, biólogos, ecólogos, engenheiros, geógrafos e psicólogos, todos com vasta experiência prática e teórica na área ambiental. O enfoque interdisciplinar e prático é o maior destaque da obra, cuja maior parte dos capítulos é voltada para a realidade nordestina. O primeiro lançamento será na Conferência da Terra, um fórum internacional de meio ambiente de altíssimo nível que ocorrerá em João Pessoa entre os dias 21 e 24 de maio. Maiores informações sobre o evento e sobre o lançamento do livro podem ser encontradas no seguinte endereço eletrônico: www.gsplanejamentoambiental.com.br.

sábado, 19 de abril de 2008

A Doutrina Judaico-Cristão, o Meio Ambiente e o Pecado de Poluir

Desde a consolidação do movimento ambientalista, a partir da década de sessenta nos países de primeiro mundo e na década de oitenta nos países periféricos, o judaísmo e o cristianismo têm sido apontados como um dos grandes responsáveis pela degradação das condições ambientais planetárias. Tal crítica começou a ganhar respaldo científico ao final da década de sessenta com a publicação do artigo intitulado “As raízes históricas da crise do meio ambiente”, de autoria do pesquisador Lynn White Jr.

O seguinte versículo do Antigo Testamento foi usado para fundamentar a apropriação privada dos recursos naturais, processo que se intensificou com a Revolução Industrial: “E Deus os abençoou, e disse: crescei e multiplicai-vos, e enchei a Terra, e despertai-a e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a Terra” (Gênesis: 1, 28). Em face disso, passou a prevalecer a interpretação de que o ser humano é o sujeito e a natureza o objeto da criação, seguindo uma relação de evidente antagonismo.

Com efeito, a grande questão levantada está no cerne do judaísmo e do cristianismo e diz respeito à própria idéia de Deus, que segundo a referida concepção é algo não apenas distinto da natureza, mas sobretudo superior a ela. Esse argumento foi crucial na expansão da fé cristã pela Europa e pelo resto do planeta, subjugando as crenças ditas pagãs das populações tradicionais, para as quais ou Deus se manifestava na natureza ou Deus se confundia com a própria natureza.

Existe um inegável egoísmo na idéia de que Deus enviou o seu único filho para se sacrificar em prol da salvação da humanidade, relegando a um segundo plano o restante da criação, pois somente o ser humano teria sido feito à semelhança da divindade máxima. Com isso, os recursos naturais como a água, a fauna e a flora poderiam e até deveriam ser dilapidados, pois esse era o mandamento divino.

Isso é diferente, por exemplo, da moral budista, segundo o qual a iluminação do príncipe Sidharta Gautama ocorreu com o objetivo de salvar todos os seres vivos, que poderiam se iluminar simplesmente por também terem natureza búdica. A maior parte das outras religiões e crenças existentes no mundo, como o hinduísmo, o taoísmo, a umbanda e o xintoísmo, não se pautam pelo antropocentrismo e, por conseqüência, assumem uma feição mais ecológica.

Contudo, é possível constatar uma certa precipitação por parte de quem endossa essa crítica, que parece ignorar por completo as questões políticas e sociais que permeiam a crise ambiental planetária. De fato, associar a degradação ao pecado original, como se a origem da questão ambiental fosse simplesmente a imperfeição humana, é esquecer que a exploração dos recursos naturais é feita em prol somente de uma parcela mais restrita da humanidade.

Se o processo econômico que resultou nessa problemática trouxe efetivamente inúmeros benefícios, seja na área de comunicações, entretenimento, saúde, tecnologia ou transportes, o fato é que uma parcela significativa da população internacional é pouco atingida, ou simplesmente não é atingida, por tais benefícios. O irônico é que os efeitos negativos do desenvolvimento, como o esgotamento dos recursos naturais, a geração de resíduos, a disseminação de doenças e a produção de riscos ecológicos de uma forma geral, também são distribuídos de forma injusta no espaço social, de forma que sofrem mais com a degradação os menos situados socialmente.

Em outras palavras, não foi a humanidade que subjugou a natureza, mas determinadas classes economicamente privilegiadas, no âmbito social, e determinados países considerados ricos, no âmbito da geopolítica internacional. Logo, o que houve foi uma deturpação do texto bíblico com o intuito de justificar ideologicamente a exploração desmedida da natureza, certamente para atender aos interesses do capitalismo e das classes dominantes.

Como a Bíblia foi escrita há milênios e dentro de um contexto social inteiramente distinto, é óbvio que a idéia de que haverá novos céus e novas terras não deve ser interpretada literalmente. Além do mais, é possível encontrar nas escrituras diversas passagens que reforçam o apelo ecológico, a exemplo da seguinte: “Chamado a cultiva e a guardar o jardim do mundo” (Gênesis: 2, 15).

Prova dessa distorção é que há nove séculos São Francisco de Assis abriu dentro da própria Igreja Católica uma vertente mais ecológica, valorizando e até reverenciado os elementos da natureza. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que nos últimos sessenta anos a exploração dos recursos naturais passou a se intensificar de uma forma tal que a própria continuidade da vida humana entrou em xeque.

Enquanto isso ocorria, em paralelo aos inúmeros problemas sociais gerados, as instituições religiosas judaico-cristãs pouco ou nada fizeram para amainar essa problemática, chegando mesmo a reforçar as estruturas de poder degradatórias. Em um contexto de crise ecológica planetária a omissão deve ser interpretada como uma tomada de posição em desfavor do meio ambiente e da qualidade de vida da coletividade, seja no que diz respeito aos indivíduos ou às instituições.

Cabe, então, fazer a seguinte pergunta: é correto não fazer nada para que a desertificação não aumente, para que as espécies não sejam extintas, para que as mudanças climáticas não ocorram, para que os rios não sejam poluídos? É claro que essa omissão não foi exclusividade das instituições religiosas judaico-cristãs, já que praticamente toda estrutura econômica e social predominante favorecia o descuido com a natureza.

É nesse contexto que o Vaticano anunciou com grande repercussão que a poluição e a manipulação genética – prática que pode colocar em risco também o meio ambiente, especialmente por meio do uso das técnicas de transgenia – são pecados capitais. Com isso, somaram-se novos aos já conhecidos sete pecados capitais, que são a gula, a luxúria, a avareza, a ira, a soberba, a vaidade e a preguiça.

Dessa forma, a partir de agora os fiéis deverão pedir perdão e fazer penitência caso desrespeitem tais valores, segundo orientou o arcebispo Gianfranco Girotti, atual responsável pelas questões relativas a pecado e penitência da Santa Sé. Isso significa que a Igreja Católica encampou definitivamente a bandeira ecológica, o que é deveras importante tendo em vista o grande número de fiéis que pode passar a se dedicar mais à causa em todo o mundo.

Não poluirás a Terra e temerás a manipulação genética, é o que determina o novo mandamento. Na verdade, esse anúncio foi inspirado no Papa João Paulo II, que foi a primeira grande liderança católica moderna a encampar efetivamente a questão ao declarar que a ecologia deve ser uma preocupação de todos católicos.

Tal mudança de atitude demonstra que a Igreja Católica está sensível aos problemas ambientais e sociais da atualidade, exemplo que deve ser seguido pelas demais instituições religiosas, pois a crise ambiental planetária não pode ser solucionada apenas pelo Estado, e sim pelo empenho efetivo de cada indivíduo e de cada instituição. Nesse ponto, pela capacidade de se disseminar e de influenciar as pessoas, as religiões possuem um papel fundamental na questão ecológica, até porque essa luta diz respeito à liberdade religiosa e de evolução espiritual das gerações futuras, que podem até não chegarem a existir.

Esse é o fio comum que deve unir todas as religiões e práticas espirituais em favor do planeta, pois como afirma o rabino Ary Glinkin “Tanto o judeu, quanto o islâmico, o católico e o budista bebem água e respiram, então, a ecologia por si só já é ecumênica”. Afinal de contas, não se pode como salvar a humanidade sem salvar o lugar onde ela habita e do qual depende para sobreviver, de forma que atentar contra o meio ambiente deve mesmo ser enquadrado como um pecado contra o planeta e contra a própria humanidade.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Patentearam a Rapadura

Essa notícia a respeito do patenteamento da rapadura me foi encaminhada por Renato Kilpp, brilhante professor de Economia Política da Universidade Federal de Campina Grande. O mais intrigante é que essas práticas continuam acontecendo mesmo depois da imensa polêmica que gerou o patenteamento do açaí pelos japoneses e da ayahuasca pelos estadunidenses. A novidade é que a escolha da vez foi a nossa singela e tradicional iguaria nordestina, frequentadora das mesas de casas grandes e senzalas da região. Resta agora perguntar o que falta ser patenteado: o acarajé, o cajú, a feijoada, a pitanga, a tapioca, o umbú? Daqui a alguns anos talvez estaremos pagando royalties aos estrangeiros para podermos comer uma simples pamonha. Eis a notícia:

"OAB tenta anular patente da rapadura feita por alemães e americanos
A Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da OAB vai realizar gestões para tentar anular o registro da receita da rapadura por uma empresa da Alemanha, a Rapunzel Naturkost AG.A pedido da Seccional da OAB do Ceará, o presidente da comissão e ex-presidente nacional da entidade, Roberto Busato, vai contatar os órgãos americano e alemão que representam os advogados naqueles países para solicitar ajuda aos colegas em processos que a OAB já está movendo contra o patenteamento da rapadura pela empresa alemã. O registro foi feito órgãos oficiais na Alemanha, desde 1989, e nos Estados Unidos, desde 1996. Roberto Busato se reuniu ontem (7) com o presidente da OAB-CE, Hélio Leitão; com o conselheiro estadual e presidente da Comissão de Cultura daquela seccional, Ricardo Bacelar, e com a advogada Manoela Bacelar, que é membro da comissão cearense. Recebeu da comitiva um relato dos processos e pedidos de providências que a entidade deflagrou em 2006 —quando foi descoberto o registro da rapadura pelos alemães. Pedidos e notificações para que intercedam pela anulação da patente foram endereçados ao Itamaraty, ao Ministério Público Federal e às embaixadas da Alemanha e dos Estados Unidos no Brasil. Mas todas as gestões foram infrutíferas até o momento.“Assim sendo, ante a grave situação que arranha nossa soberania e os preceitos do direito, entendemos que a Ordem dos Advogados, no exercício de seu mister, deve atuar de forma mais contundente para elidir a conduta a empresa alemã”, sustenta documento entregue pela comitiva da OAB-CE ao presidente da Comissão de Relações Internacionais. Os cearenses se empenham pela revogação da patente registrada pelos alemães, lembrando que a rapadura “é doce tipicamente nordestino, subproduto da cana de açúcar, produzido no Brasil desde os tempos do Império; o doce foi e é item de subsistência de milhares de famílias pobres do nordeste que o produzem de forma artesanal".Ainda conforme a OAB-CE, o registro ilegal da marca rapadura no United States Patent and Trademark, dos Estados Unidos, e a Patent und Markenamt, da Alemanha, ofendem o Acordo TRIP’s, a Convenção de Paris e demais tratados internacionais que regulam a propriedade intelectual".

Segunda-feira, 7 de abril de 2008
Última Instância - Revista Jurídica.

quarta-feira, 26 de março de 2008

A Sacola de Dona Maura e o Problema das Sacolas Plásticas

Quando minha avó materna ia às feiras ou à bodega, lá na pequena e singela cidade de Serra Branca, no Cariri paraibano, ela sempre levava consigo uma sacola de pano para carregar as compras. Ao chegar em casa, com seus cereais, frutas e verduras, dona Maura simplesmente guardava a sacola na cozinha da casa, voltando a utilizá-la sempre que fazia compras.

Na verdade, esse hábito era comum entre as pessoas mais antigas, que não usavam sacos plásticos para embalar o que compravam. Com isso, o meio ambiente não era poluído por esse material altamente degradador, que, além de demorar cerca de cem anos para se degradar, é prejudicial à fauna e ao saneamento básico.

Infelizmente, esse cenário de degradação traduz o panorama da realidade atual, em que o plástico representa parte significativa do lixo produzido no país e no mundo. O uso de sacolas plásticas é tanto que em muitos supermercados a proporção é quase a de um saco por produto adquirido.

Por isso, medidas como a da vereadora Paula Frassinete, do PSB de João Pessoa, que apresentou um projeto de lei proibindo o uso desse tipo de material em supermercados, lanchonetes e farmácias, merecem ser amplamente valorizadas. Caso o projeto realmente se transforme em lei, os estabelecimentos comerciais citados deverão recorrer às embalagens de papel ou de plástico biodegradável.

O projeto tem encontrado resistência em determinados empresários, especialmente os supermercadistas, que temem o aumento dos custos ou a insatisfação dos clientes. Para esclarecer dúvidas e dirimir equívocos a Câmara de Vereadores de João Pessoa, a pedido da citada edil, está organizando uma audiência pública com as partes interessadas.

Estão sendo convidados empresários, militantes ambientalistas, pesquisadores, políticos, membros do Ministério Público e servidores dos órgãos administrativos de meio ambiente, além da população em geral. Trata-se de uma iniciativa interessante, pois é sabido que sem a participação popular a legislação ambiental não consegue ser efetiva.

A população precisa saber que essas sacolas são responsáveis por inúmeras enchentes, principalmente nas cidades maiores, ao entupirem bueiros e canais. O plástico em questão é um derivado do petróleo e que a proibição do seu uso pode significar uma menor utilização desse recurso natural, o que certamente repercutirá positivamente em cima do aquecimento global e de outros problemas ambientais.

No campo são inúmeros os casos em que bois, carneiros e outros animais morrem ao ingerirem sacolas plásticas, o mesmo ocorrendo no mar com as tartarugas e outros representantes da fauna marinha que confundem os sacos com as algas e terminam se intoxicando. As sacolas também são responsáveis pela formação de zonas mortas no fundo dos oceanos, criando um verdadeiro deserto marinho.

Outra questão a ser destacada é a economia que isso implicará para os aterros sanitários e para a própria coleta, já que o plástico representa em média 18% do lixo total produzido no país. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a proibição de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais representa uma economia de cem mil reais por dia, o que é quase um quinto do gasto total.

É preciso que projetos como esse sejam apresentados e discutidos pelas casas legislativas de todo o país, pois é somente com a conscientização do consumidor que a problemática ambiental poderá ser realmente combatida. O interessante é que, muitas vezes, as medidas de combate à degradação ao meio ambiente simplesmente repetem os hábitos dos mais antigos, que não eram tão dependentes do ato de consumir.

Quando ia às compras dona Maura fazia questão de usar a sua simplória sacolinha de pano, mesmo já existindo sacos plásticos, somente porque não sabia o que fazer com as dezenas e dezenas destes. Ela costumava se perguntar por que ficar com tantas sacolas plásticas se não precisaria utilizá-las, seguindo uma postura totalmente oposta àquela exigida pela sociedade de consumo.

O melhor é que a minha avó nem queria salvar o planeta ou ajudar a diminuir os graves problemas ambientais da atualidade, pois para ela aquele tipo de prática simplemente não tinha sentido. É o que ocorre com uma parte significativa dos nossos hábitos de consumo, que simplesmente não têm sentido algum mas continuam a ser praticados diariamente.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Conselho de Proteção Ambiental do Estado da Paraíba

A partir de agora eu sou membro do Conselho de Proteção Ambiental do Estado da Paraíba (COPAM), representando a Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN). Além de ser a principal arena de discussões da política ambiental no Estado, o COPAM é responsável pela aprovação das autorizações e licenças ambientais e pela regulamentação da legislação ambiental em âmbito estadual.


Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente

PORTARIA Nº 001/2007 João Pessoa – PB, 12 de fevereiro de 2008

O SECRETÁRIO DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA E DO MEIO
AMBIENTE – SECTMA, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº. 21.120, de 20 de junho de 2000, c/c o § 2º do art. 3º do Regimento Interno do Conselho de Proteção Ambiental do Estado da Paraíba - COPAM,

R E S O L V E:

Art. 1º - Designar o Senhor Talden Queiroz de Farias na condição de Conselheiro, em substituição ao Senhor Carlos Antônio Ribeiro da Silva, representant da Associação Paraibana dos Amigos da Natureza - APAN, para integrar durante o período de 02 (dois) anos o plenário do Conselho de Proteção Ambiental – COPAM, por indicação da Vice-Presidente da APAN, conforme Processo SECTMA nº 0042/08.

Art. 2º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

DÊ-SE CIÊNCIA. PUBLIQUE-SE.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A Ética do Cuidado



Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado
para continuar a existir e a viver:
uma planta, um animal,
uma criança, um idoso, o planeta Terra.

Leonardo Boff (no livro "Saber cuidar").

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Direito Ambiental: um Campo (Ainda) Fechado?

Eu comecei a militar no Direito Ambiental pouco tempo depois de formado, há cerca de oito anos. Foi um envolvimento a princípio lento, mas gradual, que terminou me envolvendo por inteiro.

Trabalhei como advogado, como assessor de organizações não governamentais, como consultor jurídico, como militante ambientalista e como professor, além de ter exercido funções públicas na área. Na verdade, ainda faço um pouco de tudo isso.

Minha experiência é vária e fragmentada, apesar de oito anos e pouco atuando na área não ser tanto tempo assim. Pois bem, eu tenho observado que, mesmo com o crescente reconhecimento da autonomia e da importância do Direito Ambiental enquanto ramo da Ciência Jurídica, o que é um fato incontestável, o mercado para os profissionais desta área do conhecimento jurídico ainda é deveras limitado.

Em muitas faculdades a disciplina não é oferecida, e quando isso ocorre a matéria é optativa e com carga horária reduzida. A maioria dos escritórios de advocacia não atua na área, e os que atuam normalmente não possuem profissionais especializados.

As organizações não governamentais não podem pagar um assessor jurídico, e quando o fazem a remuneração não é adequada. Se o sujeito faz concurso para o Ministério Público, terá de passar anos e anos trabalhando com toda e qualquer matéria até que possa assumir uma curadoria de meio ambiente, de patrimônio cultural ou de urbanismo.

Nos órgãos ambientais estaduais e municipais as indicações são políticas, de forma que por vezes quem ocupa os cargos jurídicos são os apadrinhados e não aqueles que possuem competência para tanto. Enfim, na Magistratura também são poucos os lugares onde existe uma vara especializada em conflitos ambientais...

Nos últimos anos têm surgido inúmeras pós-graduações e publicações em Direito Ambiental ou em Meio Ambiente, e os operadores do Direito que fizeram tais cursos ou que tiveram acesso a tais informações estão encontrado dificuldade em se inserir no mercado. Isso implica dizer que, pelo menos por enquanto, existe uma desproporção entre o interesse pelo assunto e a possibilidade de atuação na área.

É claro que é preciso ter paciência, pois se trata de um ramo recente da Ciência Jurídica. Eu somente gostaria de dizer que o chamado boom do Direito Ambiental é uma visão enganosa, que pode decepcionar aqueles mais empolgados com a área e que querem fazer dela o seu meio de vida.

Paraíba on Line

Alguns textos deste blog já foram publicados em jornais e em sites variados, além de terem sido enviados por e-mail aos amigos mais próximos. É o caso dos textos "O colapso planetário" e "Os lírios não nascem da lei", entre outros.

Na minha coluna no Paraíba on Line (www.paraibaonline.com.br), portal de notícias do qual sou colunista há cerca de cinco anos, podem ser encontrados esses e outros textos sobre meio ambiente e outros assuntos. A intenção é simplesmente disponibilizar os textos sobre meio ambiente em outro veículo, além do referido portal, com uma interatividade maior e com a delimitação da temática ambiental.

http://www.paraibaonline.com.br/colunista.php?id=40&imagem=/chamadas/taldenf.jpg

Os Lírios não Nascem da Lei

Acabei de receber os comentários de Esther Riane sobre o artigo que tinha enviado para ela e para outras pessoas ainda há pouco. Ela é uma catarinense que conheci pela Internet e que está prestes a se formar em Direito e a se mudar para Tel-Aviv, capital de Israel. Não a conheço pessoalmente, mas já sei que Esther possui uma boa bagagem de leitura porque escreve bem e com desenvoltura sobre os mais variados assuntos.

O artigo que mandei para ela se chama “Amizade e Direitos Humanos” e é da autoria de Eduardo Ramalho Rabenhorst, diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e mestre e doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de Estrasburg, na França. Além de lecionar na graduação e no mestrado da referida instituição, ele é professor visitante permanente de Teoria Geral do Direito nos cursos de mestrado e doutorado em Direito da Universidade Federal de Pernambuco.

Trata-se de uma abordagem original, escrita ao mesmo tempo com leveza e profundidade, que enfoca o direito à amizade como uma prerrogativa do ser humano – visto que tanto o amor parental quanto o amor erótico podem ser encontrados também nos animais. É no blog do autor (http://modosdedizeromundo.blogspot.com/2006_04_01_archive.html) que esse e outros interessantíssimos textos de sua autoria ou escolha podem ser degustados. A amizade é algo que não pode ser impedido ou restringido, seja pelo Estado ou mesmo pelos familiares, porque guarda uma relação direta com a qualidade de vida de cada um e com o próprio sentido da existência.

No início da minha graduação fui apresentado a um sujeito que sabia o número de inúmeras leis e de inúmeros artigos de lei de memória, e que fazia questão de exibir tal faculdade. Hoje vejo que aquilo me incomodava não apenas porque soava arrogante, mas também porque eu não sabia de cor nenhuma lei ou nenhum artigo de lei. Embora esse colega mais adiantado do curso de Direito não tenha se revelado um profissional de destaque, pude conhecer vários outros com o mesmo estranho hábito e que se tornaram juízes, promotores e advogados de sucesso.

Um aspecto relevante do texto de Rabenhorst é a contribuição para a quebra da visão dogmática do Direito, que no cotidiano dos operadores jurídicos é muitas vezes reduzido à lei. Por Direito se deve compreender os valores que devem nortear a redação, a aplicação e a interpretação da norma, de forma que ele não deve ser limitada a esta. Nessa ordem de idéias, o Direito se relaciona com tudo que é importante para os seres humanos, inclusive a amizade, a poesia e a própria felicidade.

Haveria, então, um direito de escrever poesias, de admirar as estrelas em uma noite enluarada, de entoar uma canção admirável, de ler literatura fantástica, de enviar flores para a mulher amada e de enxergar o mundo de uma forma diferente. Obviamente não seriam direitos absolutos, até porque teriam de se compor com o quadro de direitos já estabelecidos atualmente.

É importante destacar que esse lado filosófico e até poético do Direito possui uma amplitude maior, podendo ser aplicado a qualquer aspecto das relações humanas e sociais, especialidade do autor citado. Infelizmente, os problemas que chegam ao Poder Judiciário é que são objeto de atenção dos profissionais jurídicos, que fazem da atividade jurídica unicamente a resolução de conflitos – até porque é isso que move a atividade de juízes, promotores e advogados. Contudo, o Direito existe realmente quando os direitos são respeitados e efetivados, e nem sempre o acesso ao Poder Judiciário traduz isso.

Na sua carta eletrônica Esther afirma que o texto não se aplicam aos parlamentares brasileiros, que seriam mais cúmplices do que propriamente amigos. O que poderia parecer um comentário despretensioso se revelou algo extremamente pertinente para o que está sendo discutido. É realmente complicado querer reduzir o Direito à lei em um país onde as pessoas encarregadas de legislar parecem ter perdido o compromisso com o bem comum da população, em face dos diários escândalos envolvendo o Congresso Nacional e outras casas legislativas.

Uma característica dos chamados “novos direitos”, ou direitos fundamentais de terceira geração, é a maior relação entre a garantia e a materialidade desses direitos, que não têm sentido enquanto não forem efetivados. É o caso do Direito Ambiental, do Direito do Consumidor, do Direito da Infância e Juventude e do Direito do Idoso, cujo conteúdo ético não favorece tanto a ocorrência de distorções. Por consagrarem valores tão essenciais para a sociedade e, consequentemente, para o Estado, esses Direitos devem se sobrepor a qualquer dispositivo que os reduza, o que evidentemente inclui as leis.

É o que acontece com o Direito Ambiental, ramo do Direito com o qual trabalho há mais de seis anos. Com efeito, de nada adianta uma legislação ambiental avançada se na prática o meio ambiente estiver sendo degradado gerando prejuízos à qualidade de vida da coletividade. Existem autores e profissionais que se preocupam mais com a legislação ambiental do que com o meio ambiente, esquecendo-se de que sem o meio ambiente ecologicamente equilibrado não haverá qualidade de vida ou nem mesmo vida para os seres humanos – de forma que não haverá também o Direito, seja ele Ambiental ou não. É por isso que Carlos Drummond de Andrade escreveu no poema “Nosso tempo” que as leis não bastam, posto que os lírios não nascem da lei.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Princípio do Acesso Equitativo aos Recursos Naturais

Alexandre Kiss[1] entende que o conceito de justiça ambiental tem como fundamento a igualdade e a equidade dentro de um tríplice significado: a justiça para com as pessoas que vivem no presente, a justiça para com a humanidade futura e a justiça entre as espécies vivas. Em um primeiro momento se enfoca a idéia de justiça social dentro de uma perspectiva de partilhamento equitativo dos recursos naturais, depois essa idéia é trabalhada tomando por base as gerações futuras e, por fim, é apregoada uma nova ética na relação entre os seres vivos.

Nessa ordem de idéias, José Joaquim Gomes Canotilho[2] destaca a idéia de um Estado de Justiça Ambiental, um regime estatal caracterizado pela vedação da distribuição não equitativa dos benefícios e malefícios da extração e do aproveitamento dos recursos naturais. Dentro desse panorama ganha importância o princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais, segundo o qual os bens ambientais devem ser distribuídos de forma equânime entre os habitantes do planeta.

Paulo Affonso Leme Machado[3] defende que os bens que compõem o meio ambiente, a exemplo da água, do ar e do solo, devem atender a demanda de todos os seres humanos na medida de suas necessidades. O autor destaca três formas de distribuição do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: acesso ao consumo dos recursos naturais, acesso causando poluição no meio ambiente e acesso para a contemplação da paisagem.

O Princípio 5 da Declaração Universal sobre o Meio Ambiente dispõe que “Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a humanidade”. Já o Princípio 1 e 3 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento dispõem que “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza” e que “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras”. A Convenção para a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais, de Helsinque, 1992, em suas disposições gerais dispõe que “os recursos hídricos são gerados de modo a responder às necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades” (art. 5º, 5, c).

A Convenção sobre os Usos dos Cursos de Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação diz em seu art. 5.1: “Os Estados do curso de água utilizam, em seus territórios respectivos, o curso de água internacional de modo eqüitativo e razoável. Em particular, um curso de água internacional será utilizado e valorizado pelos Estados do curso de água com o objetivo de chegar-se à utilização e às vantagens ótimas e duráveis – levando-se em conta os interesses dos Estados do curso de água respectivos – compatíveis com as exigências de uma proteção adequada do curso de água”.

A Convenção da Diversidade Biológica, que foi ratificada por meio do Decreto nº 2.519/98, estabelece no seu art. 15.7 que “Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso e em conformidade com os arts. 16 e 19 e, quando necessário, mediante o mecanismo financeiro estabelecido pelos arts. 20 e 21, para compartilhar de forma justa e eqüitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos. Essa partilha deve dar-se de comum acordo”. O artigo 11 do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos, assinado no dia 17 de novembro de 1988 em São Salvador, na República de Salvador, estabelece que “Toda pessoa tem direito de viver em meio ambiente sadio e de beneficiar-se dos equipamentos coletivos essenciais”.

Pode-se vislumbrar esse imperativo do acesso eqüitativo aos recursos naturais também na legislação ordinária. É o caso da Lei nº 9.433/97, cujo inciso I do art. 2º determina que é objetivo da Política Nacional dos Recursos Hídricos “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”, e cujo art. 11 estabelece que “O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. A Lei nº 10.275/01, conhecida como o Estatuto da Cidade, é mais explícita nesse sentido ao dispor no inciso IX do art. 2º que a “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” é uma diretriz da política urbana, tendo em vista a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana.

A referência mais importante ao princípio do acesso equitativo aos recursos naturais no ordenamento jurídico brasileiro é a classificação do meio ambiente pelo caput do art. 225 do texto constitucional como “bem de uso comum do povo”, equidade essa que é considerada também no que diz respeito às gerações futuras. Ademais, da mesma maneira que os direitos civis e sociais, trata-se de um direito fundamental cuja fundamentação se encontra no princípio da dignidade da pessoa humana, que está previsto no inciso III do art. 1° da Constituição Federal. Essa apropriação privada dos recursos ambientais coletivos, e conseqüente imposição dos riscos ambientais a uma parcela não privilegiada da população, consiste em uma afronta direta ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado da mesma maneira que à isonomia apregoada pelo texto constitucional em relação a todos os cidadãos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; (...)

O art. 170 da Constituição Federal dispõe que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, consagrando como princípios da atividade econômica nos incisos VI e VII a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” e a “redução das desigualdades regionais e sociais”.

Os referidos dispositivos constitucionais apontados serviram para consagrar definitivamente no ordenamento jurídico nacional o conceito de desenvolvimento sustentável, um modelo que procura equacionar o crescimento econômico, o bem-estar social e a proteção do meio ambiente, com ênfase tanto nas gerações presentes quanto nas futuras. A formulação dessa conceituação implicava o reconhecimento de que as forças de mercado abandonadas a uma livre dinâmica não garantiriam a manutenção do meio ambiente, impondo um paradigma novo ao modelo de produção e consumo tradicional.

O desenvolvimento sustentável coloca na berlinda o modelo de produção e consumo do ocidente, que ameaça o equilíbrio planetário. Além disso, se preocupa com os problemas do futuro, enquanto o atual modelo de desenvolvimento fundado em uma lógica puramente econômica se centra exclusivamente no presente. O termo, que foi utilizado pela primeira vez em 1980 por um organismo privado de pesquisa, a Aliança Mundial para a Natureza (UICN), foi consagrado em 1987 quando a ex-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland o utilizou em um informe feito para a ONU, em que dizia da imprescindibilidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico.

A despeito disso, o que se tem observado nos modelos de desenvolvimento econômico vigentes é predominantemente um completo desequilíbrio entre o aspecto ambiental, econômico e social. O ordenamento econômico propiciou uma desproporção inversa na distribuição dos riscos e da produção dos bens e serviços de consumo, colocando de um lado a parcela da sociedade que tem a propriedade dos recursos naturais e que tem dinheiro para adquirir os bens e serviços de consumo direta ou indiretamente oriundos do meio ambiente, de outro a parcela da sociedade que além de não ter acesso ao consumo ainda tem de arcar com a maior parte do ônus da degradação ambiental.

A pobreza dificulta o acesso à informação, implicando na falta de conscientização ambiental e jurídica, ao mesmo tempo em que impede a obtenção por parte dos prejudicados de uma infra-estrutura de precaução ou de reparação contra os efeitos da degradação. Na proximidade das comunidades citadas ficam os lixões, as indústrias poluidoras e os depósitos de rejeitos, incluindo os de resíduos tóxicos e radioativos. A contaminação da água, do ar e do solo e a extração desordenada do patrimônio natural ocorrem com facilidade, já que nem a mídia nem o Poder Público demonstram preocupação.

Paralelamente nesses lugares as medidas de recuperação do meio ambiente, como o reflorestamento ou a descontaminação de um rio, raramente acontecem. É uma triste ironia que os moradores do depósito de lixo da sociedade não tenham direito aos bens que a natureza proporciona, sejam industrializados ou não, oferecidos pelo mercado. Na realidade, a parte que coube a esses “severinos” no latifúndio do planeta, além dos sete palmos de terra contaminada, foi a alta incidência de doenças como asma, alergia e câncer e a completa falta de condições sanitárias para trabalhar, estudar e viver.

Admitir que os textos legais consagrem o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o acesso equitativo aos recursos naturais, sem levar em consideração os condicionamentos sociais concretos, implica na prática na aceitação e na consagração das desigualdades e injustiças existentes[4]. Diante disso, é preciso que a repartição do acesso material ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na sociedade de risco seja estudada a partir da perspectiva da luta de classes no espaço social, tendo em vista a relação inversamente proporcional entre a sujeição aos riscos ecológicos e, por conseqüência, aos danos ambientais, e a condição econômica e social dos indivíduos e grupos da sociedade. Referências

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, associacionismo e publicismo no Direito do Ambiente: ou o rio da minha terra e as incertezas do Direito Público. Ambiente e Consumo, Lisboa, Centro de Estudos Jurídicos, 1996, v. I.

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. KISS, Alexandre. Justiça ambiental e religiões cristãs. In: Desafios do Direito Ambiental no século XXI – estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado.

KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (orgs). São Paulo: Malheiros, 2005.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1997.
-------------------------------------------------------------------------------- [1] KISS, Alexandre. Justiça ambiental e religiões cristãs. In: Desafios do Direito Ambiental no século XXI – estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (orgs). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47-48.
[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, associacionismo e publicismo no Direito do Ambiente: ou o rio da minha terra e as incertezas do Direito Público. Ambiente e Consumo, Lisboa, Centro de Estudos Jurídicos, 1996, v. I, p. 156.
[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 43-47.
[4] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1997, p. 42-43.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Capa do Livro "Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco"


Sumário do Livro "Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco"

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

A LEI DE BIOSSEGURANÇA E A BAIXA
CONSTITUCIONALIDADE DAS QUESTÕES AMBIENTAIS
NO BRASIL
Roberta Camineiro Baggio 23

NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA: BREVE ANÁLISE
SOBRE A SUA CONSTITUCIONALIDADE
Melissa Ely Melo
Caroline Ruschel 63

PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E A REGULAÇÃO DOS RISCOS
DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS:
UM CAMINHO DE DÉFICITS E EXCESSOS NA POLÍTICA
NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA
Patryck de Araújo Ayala 97

A BIOTECNOLOGIA E A PERPLEXIDADE DO DIREITO:
UMA PERSPECTIVA A PARTIR DO RISCO
Thaís Emília de Sousa Viegas 169

BIOSSEGURANÇA NO BRASIL, LEIGOS E PERITOS:
NOTAS A PARTIR DO SOCIOCONSTRUTIVISMO
Ana Paula Marcante Soares 207

TRANSGÊNICOS NO BRASIL: A NECESSIDADE DE
DEBATER A GOVERNANÇA DE NOVAS TECNOLOGIAS
Julia S. Guivant 225

EXPLOSIVIDADE SOCIAL E POLÍTICA DO BIORRISCO:
O CASO DO “DESERTO VERDE”
Rafael Ferreira Filippin 263

SAÚDE E BIOSSEGURANÇA
Paulo Roney Ávila Fagúndez 289

RISCOS E CIDADES: RESÍDUOS SÓLIDOS E
PLANEJAMENTO URBANO- AMBIENTAL
Larissa Verri Boratti 313

UMA ANÁLISE DO IMPACTO DA SOCIEDADE DE RISCO
NA BIODIVERSIDADE DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
ITAJAÍ ATRAVÉS DO EXAME DE JURISPRUDÊNCIAS DO
ESTADO DE SANTA CATARINA
Nicolau Cardoso Neto 367

APONTAMENTOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE
COBRANÇA DE COMPENSAÇÃO AMBIENTAL
NOS LICENCIAMENTOS DE ATIVIDADES COM OGMS
Azor El Achkar 393

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO LICENCIAMENTO
AMBIENTAL DE ORGANISMOS GENETICAMENTE
MODIFICADOS
Talden Farias 419

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC):
INSTRUMENTO ADEQUADO AOS INTERESSES
AMBIENTAIS NA SOCIEDADE DE RISCO
Vanessa Fernandes de Tunes Machado 461

A NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA E A POSSIBILIDADE DE
CONTROLE JUDICIAL DOS DANOS AMBIENTAIS FUTUROS
Délton Winter de Carvalho 509

O DIREITO À INFORMAÇÃO E A LIBERAÇÃO COMERCIAL
DA SOJA TRANSGÊNICA ROUND UP READY NO BRASIL:
UM BREVE ESTUDO DE CASO
Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira 529

BREVES APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL
PREVENTIVA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO
Pietro Tabarin Volponi 563

"Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco"

Mais abaixo eu passo a reproduzir agora as palavras do professor Paulo Róney Ávila Fagúndez, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e Doutor em Direito pela mesma instituição, na divulgação do livro "Aspectos destacados da Lei de Biossegurança na sociedade de risco", obra organizada por ele e pelo professor José Rubens Morato Leite e recentemente publicada pela Editora Conceito, de Florianópolis. Ao total são dezesseis capítulos comentando aspectos diferentes da Lei nº 11.105/05, sendo o décimo segundo, intitulado "Considerações a respeito do licenciamento ambiental de organismos geneticamente modificados", de minha autoria. Eis o texto do professor Paulo Róney:

"Prezado Colegas, informamos o lançamento do nosso livro ASPECTOS DESTACADOS DA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA SOCIEDADE DE RISCO, pela Editora Conceito.

Autores: José Rubens Leite e Paulo Roney Ávila Fagúndez

Quais são as conseqüências do desenvolvimento tecnológico? O que acontecerá ao ser humano se continuarmos a consumir produtos transgênicos? Qual o impacto dos transgênicos na Natureza? Há pouco temos a real dimensão do estrago causado pela agricultura química no meio ambiente e na vida das pessoas. Quantas pessoas morreram e morrem, e quantos indivíduos sofrem as conseqüências do emprego da química no combate às pragas? Os transgênicos podem produzir danos severos ao organismo e à Natureza. Há contaminação do solo, das nascentes, de tudo.

Produzimos grãos em quantidade suficiente para matar a fome da humanidade. Para a mudança há a necessidade de uma cultura para a saúde, enfim, de uma educação para a paz. As leis não serão suficientes para a mudança de mentalidade. A questão ambiental está voltada para a vida e para o futuro da humanidade.

Por conseguinte, a fim de tentar esclarecer algumas questões levantadas acima, vem à lume esta obra publicada pela Conceito Editorial, dividida em 16 capítulos, que reúne vários pesquisadores, principalmente do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco, que irão tratar dos Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança, partindo da perspectiva da Teoria do Risco Ambiental".

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Os Bancos e a Responsabilidade Ambiental

É notório que tanto a qualidade de vida quanto a própria continuidade da vida dependem diretamente do equilíbrio ecológico do meio ambiente. Tal verdade científica foi consagrada pela Constituição Federal de 1988, que alçou no artigo 225 o meio ambiente à condição de direito fundamental. O mesmo dispositivo constitucional dispõe que é obrigação de todos zelar pelo meio ambiente – dever que inclui qualquer pessoa, desde os indivíduos até as empresas e o Estado.

De uma maneira geral os bancos têm passado ao largo disso, agindo como se o assunto em nada dissesse respeito à atividade. Para a maior parte das instituições bancárias a preocupação com o meio ambiente se restringe à atividade produtiva. Contudo, estudiosos como Paulo Affonso Leme Machado entendem que o sistema financeiro também se submete à legislação ambiental, pois não podem os bancos contribuir para a degradação ao financiarem atividades degradantes.

Como a produção depende do capital financeiro, o papel das instituições bancárias em matéria ambiental é importantíssimo. Em regra são os bancos que viabilizam a construção das grandes obras e a operação das maiores atividades industriais, que são normalmente as responsáveis pelos desastres naturais. Aos bancos internacionais, por exemplo, coube a responsabilidade pela priorização nos paises em desenvolvimento de atividades degradantes em detrimento de um desenvolvimento sustentável.

Vale salientar o pioneirismo da Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, ao condicionar no artigo 12 o crédito e o financiamento governamental ao licenciamento ambiental. Humberto Adami, o maior estudioso do tema no país, entende que o procedimento deve ser seguido pelas instituições bancárias particulares e públicas. Ele defende ainda que os próprios bancos devem requerer estudos prévios de impacto ambiental a fim de saber se financiam ou não uma determinada atividade.

Se a Constituição Federal elenca no artigo 170 a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica, é evidente que os bancos têm que incorporar a vertente ambiental, pois a condição de agentes financiadores do desenvolvimento não se faz aleatoriamente à crise ambiental do planeta. Do contrário, podem ser enquadrados devido à omissão como co-responsáveis ou responsáveis indiretos pelos danos ao meio ambientais, devendo sofrer as cominações legais necessárias.

Direito à Água e Sustentabilidade Hídrica

De todos os recursos ambientais a água é, inquestionavelmente, o mais importante. Não existe nenhuma forma de vida conhecida que não precise dela para sobreviver e para se desenvolver. Além de indispensável à vida, a água doce é o suporte da maioria das atividades econômicas e sociais, como abastecimento público, agricultura, geração de energia, indústria, pecuária, recreação, transporte e turismo. Historicamente, o desenvolvimento cultural e econômico das grandes civilizações sempre esteve relacionado à disposição desse recurso.

Conhecida coentificamente como “hidróxido de hidrogênio” ou “monóxido de di-hidrogênio”, a água é uma substância líquida composta por hidrogênio e oxigênio cuja fórmula química é H2O. É uma substância que existe de maneira abundante, chegando a cobrir três quartos da superfície planetária, podendo ser encontrada na forma de oceanos, calotas polares, nuvens, águas de chuva, aquíferos ou gelo. O problema é que, de tudo, somente três por cento da água existente no planeta é salgada, e mesmo assim parte significativa desse percentual está acessível.

Faz algumas décadas que o uso e o consumo da água doce parece estar chegando a um impasse, principalmente por causa da degradação, do desperdício, da explosão demográfica, da má distribuição e do modelo insustentável de desenvolvimento econômico adotado pela maioria dos países. De fato, de todos os problemas ambientais a escassez quantitativa e qualitativa da água doce parece ser, incomparavelmente, o mais grave e urgente.

Enquanto a quantidade de água no planeta tem permanecido praticamente inalterada nos últimos quinhentos milhões de anos, o crescimento demográfico atinge proporções nunca alcançadas. O ciclo hidrológico, que é o processo de circulação das águas, incluindo os fenômenos de evaporação, precipitação, transporte, escoamento superficial, infiltração, retenção e percolação, é quase o mesmo de cem, duzentos ou dois mil anos atrás. Calcula-se que existem no planeta atualmente cerca de cinco bilhões e meio de pessoas e que, em vinte anos, haverá oito bilhões e meio, já que a população aumenta à razão de noventa milhões de pessoas a cada ano.

No entanto, faz um século que o consumo de água doce cresce em ritmo pelo menos duas vezes maior do que o aumento populacional. Isso significa que se uma das causas da escassez é o aumento populacional, de outro lado o aumento do consumo por pessoa também serve como causa disso. Além de quantitativa, a escassez também pode ser qualitativa, em virtude do lançamento de matérias ou energia na água em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Normalmente, a poluição hídrica é causada pelo lançamento de esgoto residencial, de resíduos industriais ou de fertilizantes agrícolas em quantidade acima da capacidade de resiliência do corpo hídrico em questão. Inclusive, a água contaminada é a maior causa de mortalidade infantil em todo o planeta.

Outro aspecto de grande relevância nessa problemática é a distribuição, pois enquanto em alguns países os recursos hídricos existem em abundância em outros há escassez – e, às vezes, o mesmo país possui áreas de abundância e áreas de escassez. Nos lugares de escassez a tendência é aumentar o número de conflitos, e nos lugares de abundância o desperdício e a poluição podem reduzir a disponibilidade desse recurso. Isso significa que, além de quantidade e da qualidade, a água precisa também ser bem distribuída.

A comunidade cientifica alerta que o acesso à água doce, que serve para o consumo humano e animal, será cada vez mais difícil. Infelizmente, é possível até imaginar, como aconteceu recentemente com o petróleo, que em poucos anos a água seja motivo para guerras de grande proporção. Em certo aspecto a guerra hídrica já é uma realidade, pois há tempos Síria, Líbano e Jordânia competem pelo acesso às águas do rio Jordão, Índia e Paquistão pelo acesso às águas do rio Indo e Índia e Blangadesh pelo acesso às águas do rio Ganges. Tais conflitos também ocorrem, e inclusive com maior intensidade, no âmbito interno de cada país, colocando em lados separados os vários atores políticos interessados na utilização da água.

Em vários países a falta de água doce é um processo crônico, a exemplo da Arábia Saudita, da Argélia, da Bélgica, do Egito, de Israel e do Kwait. No Brasil, a escassez é frequente em Estados como Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do Distrito Federal e da região metropolitana de São Paulo.

Diante desse quadro, faz-se necessário que cada Estado passe a controlar a utilização da água doce por meio de um sistema de gerenciamento de recursos hídricos eficiente, de forma a manter a quantidade e a qualidade desse bem e a promover o seu acesso por parte da população. Com esse objetivo foi editada a Lei n° 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, modificando significativamente o regime jurídico brasileiro da água.

Ao estabelecer o direito à água das gerações presentes e futuras e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, a lei em comento consagrou expressamente o desenvolvimento sustentável como objetivo da Política Nacional de Recursos Hídricos. Por sustentabilidade hídrica se deve compreender a disponibilidade quantitativa, a disponibilidade qualitativa e o acesso eqüitativo, dentro dos usos e das necessidades de cada bacia hidrográfica.

O Brasil, por ser detentor de quinze por cento da água doce existente no mundo e possuidor de bacias hidrográficas de enorme relevância, a exemplo do Amazonas, do Tocantins, do São Francisco, do Paraná, do Paraguai e do Uruguai, possui uma especial responsabilidade nesse tipo de assunto. Nesse sentido, a Lei n° 9.433/97 representou um passo importante, mas é preciso avançar em ações efetivas e na promoção de uma educação ambiental que alcance verdadeiramente a todos.

É sabido que a questão da água, seja no que diz respeito à quantidade, à qualidade e ao acesso eqüitativo, é a mais urgente de toda a problemática ambiental. Logo, a água não é um mero insumo dentro da cadeia produtiva, como os detentores do capital gostariam que fosse, devendo ser compreendida como um direito fundamental da pessoa humana, de forma que o seu acesso deve ter prioridade absoluta em relação ao orçamento público e às demais políticas públicas.

domingo, 20 de janeiro de 2008

José Gregório de Moraes Navarro

Um dos assuntos pelo qual mais me interesso em matéria de meio ambiente é a história dos precursores do movimento ambientalista. Aqui no Brasil homens como José Bonifácio de Andrade e Joaquim Nabuco, com especial perspicácia, estão entre os que enxergaram essa problemática muito antes do seu tempo.

Contudo, outros nomes menos conhecidos, como José Gregório de Moraes Navarro, um magistrado que vivia no interior de Minas Gerais no final do século XVIII, momento de decadência de um ciclo de extração de ouro e de diamantes na região, também foram precursores e deixaram a sua contribuição para o movimento ambientalista brasileiro. A citação seguinte foi retirada da obra “Discurso sobre o melhoramento da economia rústica no Brasil”, de autoria de Moraes Navarro, que foi publicada em Lisboa no ano de 1799:

"De todos os elementos que Deus criou para glória Sua, e para utilidade dos homens, nenhum é certamente mais digno de contemplação do que a Terra, Mãe comum de todos os viventes. Ela nos faz ainda hoje o mesmo agasalho que fizera aos nascidos no princípio do mundo. Nem a multidão imensa de famílias que a tem habitado, nem a terrível inundação e naufrágio que ela sofreu com todos os seus filhos criminosos, nem as diversas e espantosas revoluções que a tem muitas vezes quase lançado fora do seu eixo, nem a longa sucessão dos séculos que tudo muda e consome, são capazes de esterilizar o gérmen fecundo de sua fertilidade. Ela será sempre, até o fim do mundo, tão liberal e benéfica como foi no princípio.... apesar da ingratidão dos homens, que parece que trabalham continuamente para destruir e aniquilar as suas naturais produções, e para consumir e enfraquecer a sua primitiva substância."

A propósito, o historiador José Augusto Pádua se aprofunda nessa temática no livro "Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888)", publicada pela Jorge Zahar Editor em 2002, fazendo uma espécie de arqueologia do pensamento ambientalista do tempo do Império.

O Colapso Planetário

Ao longo da história as catástrofes naturais sempre foram um dos fatores determinantes, e possivelmente o de maior relevância, para a ascenção e queda das civilizações. No livro “A Terra em balanço – ecologia e o espírito humano”, o senador e ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore aponta uma série de ocasiões em que a ruptura dos padrões climáticos estáveis resultou em graves problemas sociais.

Uma possível mudança no ciclo das chuvas e dos ventos ocorrida na África, Europa e Oriente Médio teria feito com que o povo Micena deixasse o Egeu. A queda abrupta na temperatura da Europa de 1315 a 1517 fez com que nos anos seguintes as colehitas fossem péssimas, o que gerou desnutrição generalizada e aumento da suscetibilidade a doenças. A erupção do vulcão Tambora, na Indonésia, no ano de 1815, alterou a composição da atmosfera global de tal maneira que na Europa geou durante todo o verão e, nos três anos seguintes, houve chuva em excesso – o que acarretou a perda da safra e, por consequência, fome, desespero e violência.

Com efeito, inúmeros são os casos em que nações ou povos inteiros desapareceram, foram obrigados a se deslocar ou ficaram na miséria devido à falta ou ao excesso de chuvas e de ventos, ao aumento ou a diminuição da temperatura e ao acontecimento de erupções, furacões, inundações, maremotos, terremotos e tornados.

Mas não é sem propósito que tais fatos são relembrados, visto que nos últimos anos o número de catástrofes naturais tem aumentado estrondosamente. O tsunami no sudeste asiático, o furacão Catarina na região sul brasileira, os incêndios em países como Espanha e Portugal por conta do calor excessivo, enchentes na Alemanha e na China, terremotos no Perú, os furacões Katrina, Ophelia e Rita nos Estados Unidos, o terremoto na Indonésia são indícios de que o mundo não está muito bem.

É importante destacar que desde a história antiga não se tem notícia de tantas catástrofes ambientais seguidas. Na verdade, começa a se tornar um consenso a idéia de que existe uma crise ambiental planetária, que consiste na escassez dos recursos naturais e nas diversas catástrofes a nível global surgidas a partir das ações degradadoras do ser humano sobre a natureza.

A problemática ambiental é imensa e ameaça o futuro e o presente da humanidade: escassez de água potável, aquecimento global, buraco na camada de ozônio, superpopulação, desmatamento, desertificação, perda da biodiversidade e falta de tratamento dos resíduos industriais e urbanos são exemplos dos mais graves e urgentes problemas ambientais que a sociedade mundial está enfrentando. A questão agora é saber o quanto essas catástrofes naturais estão sendo causadas ou pelo menos influenciadas pela ação humana.

A esse respeito é esclarecedor a obra do ornitólogo, fisiologista animal e geógrafo norte-americano Jared Diamond, cujo livro “Colapso – como as sociedades escolhem o sucesso ou o fracasso” foi lançado no Brasil ao final do ano passado pela editora Record. Na obra ao analisar o declínio das civilizações o professor da Universidade da Califórnia chegou à conclusão de que a motivação ambiental é um dos elementos mais importantes.

Nesse aspecto, questões como mudança climática causada pelo ser humano, acúmulo de lixo químico, falta de energia e de superutilização da capacidade de fotossíntese são mais relevantes do que as guerras. Isso significa que o sucesso e o fracasso das civilizações, que pode ser entendido como a sua continuidade ou o ocaso, está diretamente relacionado à forma como as mesmas se relacionam com o meio ambiente.

No entendimento de Jared Diamond estariam entre os povos que decaíram por tal questão os maias, os polinésios da Ilha da Páscoa, os anasazis do Novo México, os vikings em suas colônias da Groenlândia, entre outros inúmeros exemplos.

No caso dos maias, ele afirma que o crescimento da população por volta do século VIII fez com que as florestas fossem dizimadas para dar lugar ao plantio de milho, fazendo o solo se esgotar rapidamente. A manutenção do estilo de vida dos governantes e sacerdotes aliada a uma seca prolongada resultou no esgotamento dos recursos naturais e na extinção da civilização.

Já no caso dos polinésios da Ilha da Páscoa, os recursos ambientais, como aves nativas, frangos e tubérculos, foram sendo consumidos em um ritmo acima da capacidade natural de renovação. Enquanto os dozes clãs existentes competiam pela construção do maior moal, que são esculturas em pedra com valor político e ritualístico, a miséria e a pobreza tomou conta do lugar.

Mais do que uma curiosidade histórica ou uma mera teoria científica, os ensinamentos do professor e escritor são importantes porque podem ser perfeitamente aplicados ao tempo presente. Nesse diapasão, é importante lembrar que das cinco razões apontadas para a extinção das sociedades, que são as mudanças climáticas, as modificações no meio ambiente, a pressão de uma vizinhança hostil, a dependência de parceiros comerciais amistosos e a forma como a sociedade reage aos seus problemas, esta é a mais relevante.

Para Jared Diamond os Estados Unidos e a China estão repetindo os erros do passado, ao consumirem os recursos naturais em uma velocidade tamanha e para sustentar um padrão de vida que não se coaduna com os limites do planeta. Em certo aspecto é possível atribuir esse autismo ambiental a toda a sociedade internacional, que elegeu como ideal o modelo norte-americano de consumo e de relacionamento com o meio ambiente.

Enquanto instituições internacionais alertam como o Fundo Mundial para a Natureza alertam que o ser humano já ultrapassou em mais de vinte por cento os limites ecológicos da Terra, parece que a vontade de enfrentar esses problemas não passa além dos discursos. O problema é que, diferentemente das civilizações apontadas pelo geógrafo, cujo declínio teve repercussão eminentemente local ou regional, no mundo globalizado qualquer colapso ambiental será necessariamente planetário.

Sendo assim, é preciso reagir de forma rápida e positiva a esses problemas, já que é dessa reação que dependerá realmente o futuro da raça humana e do planeta. Para isso é necessário que haja um empenho de toda a sociedade civil internacional, além dos governos e dos grupos econômicos, no sentido de cobrar e de implementar um novo paradigma na relação do ser humano com o meio ambiente.

Professor Vasconcelos Sobrinho

O ecologista e professor universitário João de Vasconcelos Sobrinho é um dos maiores nomes brasileiros na luta pela defesa do meio ambiente. Ele nasceu em Moreno no dia 28 de abril de 1908 e morreu no Recife em 1989, no Estado de Pernambuco.

Ele foi um dos fundadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, do Jardim Botânico do Recife, da Estação Ecológica de Tapacurá e da Associação Pernambucana de Defesa do Meio Ambiente. Exerceu cargos importantes, como diretor do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, consultor da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste e vice-reitor da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

O professor Vasconcelos Sobrinho introduziu o estudo da Ecologia como ciência na universidade brasileira, ao criar a disciplina “Ecologia conservacionista”. Ele ministrou centenas de palestras e publicou cerca de trinta livros e uma infinidade de artigos sobre ecologia e conservação dos recursos naturais.

Da sua obra se destacam os livros “As regiões naturais de Pernambuco, o meio e a civilização”, “As regiões naturais do Nordeste, o meio e a civilização”, “Metodologia para identificação dos processos de desertificação: manual de indicadores” e “Processos de desertificação ocorrentes no Nordeste do Brasil: sua gênese e sua contenção”. Entretanto, Manuel Correia de Andrade destaca “Catecismo da ecologia” na condição de obra precursora dos estudos sobre o meio ambiente no Brasil, ao tratar de assuntos como a mata atlântica e a degradação do Rio São Francisco. Para o historiador e geógrafo, o trabalho de Vasconcelos Sobrinho é tão importante para o meio ambiente quanto o de Josué de Castro em relação à fome.

Ainda ao final da década de quarenta ele começou a tratar da questão da desertificação e em decorrência disso ganhou prestígio nacional e internacional como engenheiro agrônomo e ecólogo, tendo sido inclusive o primeiro cientista brasileiro a denunciar o problema. Por isso o governo brasileiro o escolheu como principal representante na Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação, que ocorreu no ano de 1977 em Nairóbi, e nos seminários que antecederam a mesma.

O professor Vasconcelos Sobrinho antecipou a conceituação ampla de meio ambiente, ao entendê-lo como a junção de fatores não apenas de ordem biológica, física e química, mas também cultural, econômica e social. Ele foi um dos pioneiros no Brasil a combater o entendimento do meio ambiente como algo alheio ao ser humano, um paradigma que ainda hoje encontra dificuldades para ser enfrentado.

Para a formulação da disciplina científica denominada “Desertologia”, por exemplo, o professor Vasconcelos Sobrinho propôs não o estudo dos desertos e sim uma abordagem integrada dos elementos acarretadores da degradação dos solos, da flora e dos recursos hídricos e suas conseqüências, levando em consideração fatores ambientais, culturais e socioeconômicos. Nesse sentido, ele também antecipou a noção de interdisciplinaridade, outro conceito muito importante em matéria de meio ambiente, ao apregoar que a desertificação deveria ser estudada pelos vários tipos de engenheiros bem como pelos biólogos, ecólogos, economistas, paisagistas, sociólogos etc.

Também em relação ao estudo da caatinga o professor Vasconcelos Sobrinho se destacou como pioneiro, posto que antes dele esse bioma era considerado sinônimo de miséria e escassez de recursos ambientais. Ele conseguiu provar que, além de ser muito rico, o patrimônio biológico da caatinga único no planeta, a ponto de incluir inúmeras espécies que só podem ser encontradas no nordeste brasileiro.

É o caso da barriguda, amburana, aroeira, umbu, baraúna, maniçoba, macambira, mandacaru e juazeiro, em se tratando da flora, do sapo-cururu, asa-branca, cotia, preá, veado-catingueiro, tatu-peba, sagüi-do-nordeste e cachorro-do-mato. Em virtude disso, a data de aniversário do professor Vasconcelos Sobrinho foi instituída como o dia nacional da caatinga por meio de decreto presidencial.

No entanto, mais do que um cientista ou um intelectual o professor Vasconcelos Sobrinho se destacou como alguém que despertou o amor pelo meio ambiente e que disseminou práticas efetivas nesse sentido. Algo que serve para ilustrar isso é o belíssimo texto que ele escreveu, chamado de “Os dez mandamentos da Ecologia”:

1. Ama a Deus sobre todas as coisas e a Natureza como a ti mesmo.
2. Não defenderás a Natureza em vão, apenas com palavras, mas através de teus atos.
3. Guardarás as florestas virgens, pois tua vida depende delas.
4. Honrarás a fauna, a flora, todas as formas de vida, e não apenas a humana.
5. Não matarás.
6. Não pecarás contra a pureza do ar deixando que a indústria suje o que a criança respira.
7. Não furtarás da terra sua camada de húmus, raspando-a com o trator, condenando o solo à esterilidade.
8. Não levantarás falso testemunho dizendo que o lucro e o progresso justificam teus crimes.
9. Não desejarás para teu proveito que as fontes e os rios se envenenem com o lixo industrial.
10. Não cobiçarás objetos e adornos para cuja fabricação é preciso destruir a paisagem: a terra também pertence aos que ainda estão por nascer.

O Patricarca do Ambientalismo Brasileiro

José Bonifácio de Andrada e Silva é inquestionavelmente umas das figuras mais interessantes e intrigantes da história brasileira, em virtude da sua sensibilidade para os problemas nacionais e da sua inteligência multifária e extremamente aguçada. Por conta dos relevantes serviços que prestou à pátria, ele ficou conhecido como o ‘patriarca da independência’.

Oriundo de uma família aristocrática luzitana, José Bonifácio nasceu em Santos, no litoral paulista, no dia 13 de junho de 1763. Formou-se em Filosofia Natural em 1787 e em Ciências Jurídicas e Sociais em 1788 na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde também cursou especialização em Mineralogia e Mineração em 1789.

Tornou-se membro da Maçonaria e da Academia das Ciências de Lisbôa e viajou por inúmeros países europeus na condição de mineralogista do governo português, gozando de enorme prestígio na sociedade luzitana da época. Árduo defensor dos direitos e das liberdades individuais, o ambiente político da época o influenciou de tal forma que ele se sentou na obrigação de trazer as idéias iluministas para o Brasil.

O primeiro cargo de destaque de José Bonifácio foi a vice-presidência da Junta Governativa do Estado de São Paulo, em 1821. Ele foi o primeiro brasileiro de nascimento a ocupar uma pasta ministerial – o Ministério do Reino, por indicação de D. Pedro I –, sendo considerado o grande mentor da independência brasileira em virtude das estratégias e articulações políticas que fez.

Depois de ser eleito para a Assembléia Constituinte de 1823, foi obrigado a deixar o país por ordem do Imperador. Ao voltar para o Brasil, ele se aproxima de D. Pedro I em 1831 quando este renuncia à Coroa e o indica como tutor de seu filho, o futuro Imperador D. Pedro II, cargo do qual seria destituído dois anos depois pelo regente Diogo António Feijó.

É claro que inúmeros outros fatos relevantes a respeito de sua vida política e intelectual poderiam ser também levantados, mas o objetivo deste texto é destacar uma faceta sua menos conhecida. Trata-se da intensa preocupação que esse grande brasileiro tinha com relação ao meio ambiente e aos recursos naturais.

Com efeito, há patricamente dois séculos José Bonifácio denunciava e escrevia sobre a forma equivocada como o ser humano se relacionava com a natureza. O mais interessante é que naquela época ele já compreendia os fenômenos naturais de uma forma ecológica e ecossistêmica, ao fazer a interelação entre os aspectos ambientais, econômicos e sociais.

Esse caráter holístico está presente na seguinte frase de José Bonifácio citada por Vladimir Passos de Freitas no livro “Direito Ambiental em Evolução” (Editora Juruá): “Se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuva, não há chuvas sem umidade, não há umidade sem floresta”. De fato, é impressionante a ligação que ela fez entre a economia e o equilíbrio do meio ambiente.

No livro “Obra Política de José Bonifácio” (Editora do Senado), que foi organizado por Octaciano Nogueira e publicado pela em 1973, é possível retirar um trecho do texto “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura” em que a relação de causa e efeito dos atos dos seres humanos sobre a natureza é destacado: “A Natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então este dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos”. Em última análise ele quer dizer que o ser humano é dependente da natureza, e ao destrui-la está destruindo a si mesmo.

No texto intitulado “Necessidade de uma Academia de Agricultura no Brasil”, integrante da referida obra, José Bonifácio afirma o seguinte: “Como, pois, se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? A ignorância, sem dúvida. (...) Destruir matas virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza. Que defesa produziremos no tribunal da Razão, quando os nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos?”. Por um lado foi enfatizada a indisponibilidade desses bens ambientais, e por outro se ressaltou a responsabilidade dos seres humanos com as gerações futuras.

Durante muito tempo os historiadores e os demais cientistas socias brasileiros afirmaram que a preocupação com o meio ambiente chegou ao Brasil na década de secenta e setenta como um reflexo do pensamento e das ebulições sociais dos países de primeiro mundo. A razão disso é que, na opinião de tais entendidos, somente uma sociedade desenvolvida estaria em condições de se dedicar às questões ambientais.

Contudo, no livro “Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista” (Ediotra Jorge Zahar) José Augusto Pádua demonstra que existia uma reflexão, bastante avançada para a época sobre a temática ambiental no Brasil colonial. E José Bonifácio de Andrada e Silva se sobressai inquestionavelmente como o primeiro e grande pensador do meio ambiente no século retrasado, podendo por isso ser chamado também de patriarca do ambientalismo brasileiro.

Perfil

Advogado, consultor jurídico e professor de Direito Ambiental e Urbanístico.