domingo, 20 de janeiro de 2008

O Patricarca do Ambientalismo Brasileiro

José Bonifácio de Andrada e Silva é inquestionavelmente umas das figuras mais interessantes e intrigantes da história brasileira, em virtude da sua sensibilidade para os problemas nacionais e da sua inteligência multifária e extremamente aguçada. Por conta dos relevantes serviços que prestou à pátria, ele ficou conhecido como o ‘patriarca da independência’.

Oriundo de uma família aristocrática luzitana, José Bonifácio nasceu em Santos, no litoral paulista, no dia 13 de junho de 1763. Formou-se em Filosofia Natural em 1787 e em Ciências Jurídicas e Sociais em 1788 na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde também cursou especialização em Mineralogia e Mineração em 1789.

Tornou-se membro da Maçonaria e da Academia das Ciências de Lisbôa e viajou por inúmeros países europeus na condição de mineralogista do governo português, gozando de enorme prestígio na sociedade luzitana da época. Árduo defensor dos direitos e das liberdades individuais, o ambiente político da época o influenciou de tal forma que ele se sentou na obrigação de trazer as idéias iluministas para o Brasil.

O primeiro cargo de destaque de José Bonifácio foi a vice-presidência da Junta Governativa do Estado de São Paulo, em 1821. Ele foi o primeiro brasileiro de nascimento a ocupar uma pasta ministerial – o Ministério do Reino, por indicação de D. Pedro I –, sendo considerado o grande mentor da independência brasileira em virtude das estratégias e articulações políticas que fez.

Depois de ser eleito para a Assembléia Constituinte de 1823, foi obrigado a deixar o país por ordem do Imperador. Ao voltar para o Brasil, ele se aproxima de D. Pedro I em 1831 quando este renuncia à Coroa e o indica como tutor de seu filho, o futuro Imperador D. Pedro II, cargo do qual seria destituído dois anos depois pelo regente Diogo António Feijó.

É claro que inúmeros outros fatos relevantes a respeito de sua vida política e intelectual poderiam ser também levantados, mas o objetivo deste texto é destacar uma faceta sua menos conhecida. Trata-se da intensa preocupação que esse grande brasileiro tinha com relação ao meio ambiente e aos recursos naturais.

Com efeito, há patricamente dois séculos José Bonifácio denunciava e escrevia sobre a forma equivocada como o ser humano se relacionava com a natureza. O mais interessante é que naquela época ele já compreendia os fenômenos naturais de uma forma ecológica e ecossistêmica, ao fazer a interelação entre os aspectos ambientais, econômicos e sociais.

Esse caráter holístico está presente na seguinte frase de José Bonifácio citada por Vladimir Passos de Freitas no livro “Direito Ambiental em Evolução” (Editora Juruá): “Se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuva, não há chuvas sem umidade, não há umidade sem floresta”. De fato, é impressionante a ligação que ela fez entre a economia e o equilíbrio do meio ambiente.

No livro “Obra Política de José Bonifácio” (Editora do Senado), que foi organizado por Octaciano Nogueira e publicado pela em 1973, é possível retirar um trecho do texto “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura” em que a relação de causa e efeito dos atos dos seres humanos sobre a natureza é destacado: “A Natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então este dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos”. Em última análise ele quer dizer que o ser humano é dependente da natureza, e ao destrui-la está destruindo a si mesmo.

No texto intitulado “Necessidade de uma Academia de Agricultura no Brasil”, integrante da referida obra, José Bonifácio afirma o seguinte: “Como, pois, se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? A ignorância, sem dúvida. (...) Destruir matas virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza. Que defesa produziremos no tribunal da Razão, quando os nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos?”. Por um lado foi enfatizada a indisponibilidade desses bens ambientais, e por outro se ressaltou a responsabilidade dos seres humanos com as gerações futuras.

Durante muito tempo os historiadores e os demais cientistas socias brasileiros afirmaram que a preocupação com o meio ambiente chegou ao Brasil na década de secenta e setenta como um reflexo do pensamento e das ebulições sociais dos países de primeiro mundo. A razão disso é que, na opinião de tais entendidos, somente uma sociedade desenvolvida estaria em condições de se dedicar às questões ambientais.

Contudo, no livro “Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista” (Ediotra Jorge Zahar) José Augusto Pádua demonstra que existia uma reflexão, bastante avançada para a época sobre a temática ambiental no Brasil colonial. E José Bonifácio de Andrada e Silva se sobressai inquestionavelmente como o primeiro e grande pensador do meio ambiente no século retrasado, podendo por isso ser chamado também de patriarca do ambientalismo brasileiro.

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Perfil

Advogado, consultor jurídico e professor de Direito Ambiental e Urbanístico.