quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Direito Ambiental: um Campo (Ainda) Fechado?

Eu comecei a militar no Direito Ambiental pouco tempo depois de formado, há cerca de oito anos. Foi um envolvimento a princípio lento, mas gradual, que terminou me envolvendo por inteiro.

Trabalhei como advogado, como assessor de organizações não governamentais, como consultor jurídico, como militante ambientalista e como professor, além de ter exercido funções públicas na área. Na verdade, ainda faço um pouco de tudo isso.

Minha experiência é vária e fragmentada, apesar de oito anos e pouco atuando na área não ser tanto tempo assim. Pois bem, eu tenho observado que, mesmo com o crescente reconhecimento da autonomia e da importância do Direito Ambiental enquanto ramo da Ciência Jurídica, o que é um fato incontestável, o mercado para os profissionais desta área do conhecimento jurídico ainda é deveras limitado.

Em muitas faculdades a disciplina não é oferecida, e quando isso ocorre a matéria é optativa e com carga horária reduzida. A maioria dos escritórios de advocacia não atua na área, e os que atuam normalmente não possuem profissionais especializados.

As organizações não governamentais não podem pagar um assessor jurídico, e quando o fazem a remuneração não é adequada. Se o sujeito faz concurso para o Ministério Público, terá de passar anos e anos trabalhando com toda e qualquer matéria até que possa assumir uma curadoria de meio ambiente, de patrimônio cultural ou de urbanismo.

Nos órgãos ambientais estaduais e municipais as indicações são políticas, de forma que por vezes quem ocupa os cargos jurídicos são os apadrinhados e não aqueles que possuem competência para tanto. Enfim, na Magistratura também são poucos os lugares onde existe uma vara especializada em conflitos ambientais...

Nos últimos anos têm surgido inúmeras pós-graduações e publicações em Direito Ambiental ou em Meio Ambiente, e os operadores do Direito que fizeram tais cursos ou que tiveram acesso a tais informações estão encontrado dificuldade em se inserir no mercado. Isso implica dizer que, pelo menos por enquanto, existe uma desproporção entre o interesse pelo assunto e a possibilidade de atuação na área.

É claro que é preciso ter paciência, pois se trata de um ramo recente da Ciência Jurídica. Eu somente gostaria de dizer que o chamado boom do Direito Ambiental é uma visão enganosa, que pode decepcionar aqueles mais empolgados com a área e que querem fazer dela o seu meio de vida.

Paraíba on Line

Alguns textos deste blog já foram publicados em jornais e em sites variados, além de terem sido enviados por e-mail aos amigos mais próximos. É o caso dos textos "O colapso planetário" e "Os lírios não nascem da lei", entre outros.

Na minha coluna no Paraíba on Line (www.paraibaonline.com.br), portal de notícias do qual sou colunista há cerca de cinco anos, podem ser encontrados esses e outros textos sobre meio ambiente e outros assuntos. A intenção é simplesmente disponibilizar os textos sobre meio ambiente em outro veículo, além do referido portal, com uma interatividade maior e com a delimitação da temática ambiental.

http://www.paraibaonline.com.br/colunista.php?id=40&imagem=/chamadas/taldenf.jpg

Os Lírios não Nascem da Lei

Acabei de receber os comentários de Esther Riane sobre o artigo que tinha enviado para ela e para outras pessoas ainda há pouco. Ela é uma catarinense que conheci pela Internet e que está prestes a se formar em Direito e a se mudar para Tel-Aviv, capital de Israel. Não a conheço pessoalmente, mas já sei que Esther possui uma boa bagagem de leitura porque escreve bem e com desenvoltura sobre os mais variados assuntos.

O artigo que mandei para ela se chama “Amizade e Direitos Humanos” e é da autoria de Eduardo Ramalho Rabenhorst, diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e mestre e doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de Estrasburg, na França. Além de lecionar na graduação e no mestrado da referida instituição, ele é professor visitante permanente de Teoria Geral do Direito nos cursos de mestrado e doutorado em Direito da Universidade Federal de Pernambuco.

Trata-se de uma abordagem original, escrita ao mesmo tempo com leveza e profundidade, que enfoca o direito à amizade como uma prerrogativa do ser humano – visto que tanto o amor parental quanto o amor erótico podem ser encontrados também nos animais. É no blog do autor (http://modosdedizeromundo.blogspot.com/2006_04_01_archive.html) que esse e outros interessantíssimos textos de sua autoria ou escolha podem ser degustados. A amizade é algo que não pode ser impedido ou restringido, seja pelo Estado ou mesmo pelos familiares, porque guarda uma relação direta com a qualidade de vida de cada um e com o próprio sentido da existência.

No início da minha graduação fui apresentado a um sujeito que sabia o número de inúmeras leis e de inúmeros artigos de lei de memória, e que fazia questão de exibir tal faculdade. Hoje vejo que aquilo me incomodava não apenas porque soava arrogante, mas também porque eu não sabia de cor nenhuma lei ou nenhum artigo de lei. Embora esse colega mais adiantado do curso de Direito não tenha se revelado um profissional de destaque, pude conhecer vários outros com o mesmo estranho hábito e que se tornaram juízes, promotores e advogados de sucesso.

Um aspecto relevante do texto de Rabenhorst é a contribuição para a quebra da visão dogmática do Direito, que no cotidiano dos operadores jurídicos é muitas vezes reduzido à lei. Por Direito se deve compreender os valores que devem nortear a redação, a aplicação e a interpretação da norma, de forma que ele não deve ser limitada a esta. Nessa ordem de idéias, o Direito se relaciona com tudo que é importante para os seres humanos, inclusive a amizade, a poesia e a própria felicidade.

Haveria, então, um direito de escrever poesias, de admirar as estrelas em uma noite enluarada, de entoar uma canção admirável, de ler literatura fantástica, de enviar flores para a mulher amada e de enxergar o mundo de uma forma diferente. Obviamente não seriam direitos absolutos, até porque teriam de se compor com o quadro de direitos já estabelecidos atualmente.

É importante destacar que esse lado filosófico e até poético do Direito possui uma amplitude maior, podendo ser aplicado a qualquer aspecto das relações humanas e sociais, especialidade do autor citado. Infelizmente, os problemas que chegam ao Poder Judiciário é que são objeto de atenção dos profissionais jurídicos, que fazem da atividade jurídica unicamente a resolução de conflitos – até porque é isso que move a atividade de juízes, promotores e advogados. Contudo, o Direito existe realmente quando os direitos são respeitados e efetivados, e nem sempre o acesso ao Poder Judiciário traduz isso.

Na sua carta eletrônica Esther afirma que o texto não se aplicam aos parlamentares brasileiros, que seriam mais cúmplices do que propriamente amigos. O que poderia parecer um comentário despretensioso se revelou algo extremamente pertinente para o que está sendo discutido. É realmente complicado querer reduzir o Direito à lei em um país onde as pessoas encarregadas de legislar parecem ter perdido o compromisso com o bem comum da população, em face dos diários escândalos envolvendo o Congresso Nacional e outras casas legislativas.

Uma característica dos chamados “novos direitos”, ou direitos fundamentais de terceira geração, é a maior relação entre a garantia e a materialidade desses direitos, que não têm sentido enquanto não forem efetivados. É o caso do Direito Ambiental, do Direito do Consumidor, do Direito da Infância e Juventude e do Direito do Idoso, cujo conteúdo ético não favorece tanto a ocorrência de distorções. Por consagrarem valores tão essenciais para a sociedade e, consequentemente, para o Estado, esses Direitos devem se sobrepor a qualquer dispositivo que os reduza, o que evidentemente inclui as leis.

É o que acontece com o Direito Ambiental, ramo do Direito com o qual trabalho há mais de seis anos. Com efeito, de nada adianta uma legislação ambiental avançada se na prática o meio ambiente estiver sendo degradado gerando prejuízos à qualidade de vida da coletividade. Existem autores e profissionais que se preocupam mais com a legislação ambiental do que com o meio ambiente, esquecendo-se de que sem o meio ambiente ecologicamente equilibrado não haverá qualidade de vida ou nem mesmo vida para os seres humanos – de forma que não haverá também o Direito, seja ele Ambiental ou não. É por isso que Carlos Drummond de Andrade escreveu no poema “Nosso tempo” que as leis não bastam, posto que os lírios não nascem da lei.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Princípio do Acesso Equitativo aos Recursos Naturais

Alexandre Kiss[1] entende que o conceito de justiça ambiental tem como fundamento a igualdade e a equidade dentro de um tríplice significado: a justiça para com as pessoas que vivem no presente, a justiça para com a humanidade futura e a justiça entre as espécies vivas. Em um primeiro momento se enfoca a idéia de justiça social dentro de uma perspectiva de partilhamento equitativo dos recursos naturais, depois essa idéia é trabalhada tomando por base as gerações futuras e, por fim, é apregoada uma nova ética na relação entre os seres vivos.

Nessa ordem de idéias, José Joaquim Gomes Canotilho[2] destaca a idéia de um Estado de Justiça Ambiental, um regime estatal caracterizado pela vedação da distribuição não equitativa dos benefícios e malefícios da extração e do aproveitamento dos recursos naturais. Dentro desse panorama ganha importância o princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais, segundo o qual os bens ambientais devem ser distribuídos de forma equânime entre os habitantes do planeta.

Paulo Affonso Leme Machado[3] defende que os bens que compõem o meio ambiente, a exemplo da água, do ar e do solo, devem atender a demanda de todos os seres humanos na medida de suas necessidades. O autor destaca três formas de distribuição do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: acesso ao consumo dos recursos naturais, acesso causando poluição no meio ambiente e acesso para a contemplação da paisagem.

O Princípio 5 da Declaração Universal sobre o Meio Ambiente dispõe que “Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a humanidade”. Já o Princípio 1 e 3 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento dispõem que “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza” e que “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras”. A Convenção para a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais, de Helsinque, 1992, em suas disposições gerais dispõe que “os recursos hídricos são gerados de modo a responder às necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades” (art. 5º, 5, c).

A Convenção sobre os Usos dos Cursos de Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação diz em seu art. 5.1: “Os Estados do curso de água utilizam, em seus territórios respectivos, o curso de água internacional de modo eqüitativo e razoável. Em particular, um curso de água internacional será utilizado e valorizado pelos Estados do curso de água com o objetivo de chegar-se à utilização e às vantagens ótimas e duráveis – levando-se em conta os interesses dos Estados do curso de água respectivos – compatíveis com as exigências de uma proteção adequada do curso de água”.

A Convenção da Diversidade Biológica, que foi ratificada por meio do Decreto nº 2.519/98, estabelece no seu art. 15.7 que “Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso e em conformidade com os arts. 16 e 19 e, quando necessário, mediante o mecanismo financeiro estabelecido pelos arts. 20 e 21, para compartilhar de forma justa e eqüitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos. Essa partilha deve dar-se de comum acordo”. O artigo 11 do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos, assinado no dia 17 de novembro de 1988 em São Salvador, na República de Salvador, estabelece que “Toda pessoa tem direito de viver em meio ambiente sadio e de beneficiar-se dos equipamentos coletivos essenciais”.

Pode-se vislumbrar esse imperativo do acesso eqüitativo aos recursos naturais também na legislação ordinária. É o caso da Lei nº 9.433/97, cujo inciso I do art. 2º determina que é objetivo da Política Nacional dos Recursos Hídricos “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”, e cujo art. 11 estabelece que “O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. A Lei nº 10.275/01, conhecida como o Estatuto da Cidade, é mais explícita nesse sentido ao dispor no inciso IX do art. 2º que a “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” é uma diretriz da política urbana, tendo em vista a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana.

A referência mais importante ao princípio do acesso equitativo aos recursos naturais no ordenamento jurídico brasileiro é a classificação do meio ambiente pelo caput do art. 225 do texto constitucional como “bem de uso comum do povo”, equidade essa que é considerada também no que diz respeito às gerações futuras. Ademais, da mesma maneira que os direitos civis e sociais, trata-se de um direito fundamental cuja fundamentação se encontra no princípio da dignidade da pessoa humana, que está previsto no inciso III do art. 1° da Constituição Federal. Essa apropriação privada dos recursos ambientais coletivos, e conseqüente imposição dos riscos ambientais a uma parcela não privilegiada da população, consiste em uma afronta direta ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado da mesma maneira que à isonomia apregoada pelo texto constitucional em relação a todos os cidadãos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; (...)

O art. 170 da Constituição Federal dispõe que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, consagrando como princípios da atividade econômica nos incisos VI e VII a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” e a “redução das desigualdades regionais e sociais”.

Os referidos dispositivos constitucionais apontados serviram para consagrar definitivamente no ordenamento jurídico nacional o conceito de desenvolvimento sustentável, um modelo que procura equacionar o crescimento econômico, o bem-estar social e a proteção do meio ambiente, com ênfase tanto nas gerações presentes quanto nas futuras. A formulação dessa conceituação implicava o reconhecimento de que as forças de mercado abandonadas a uma livre dinâmica não garantiriam a manutenção do meio ambiente, impondo um paradigma novo ao modelo de produção e consumo tradicional.

O desenvolvimento sustentável coloca na berlinda o modelo de produção e consumo do ocidente, que ameaça o equilíbrio planetário. Além disso, se preocupa com os problemas do futuro, enquanto o atual modelo de desenvolvimento fundado em uma lógica puramente econômica se centra exclusivamente no presente. O termo, que foi utilizado pela primeira vez em 1980 por um organismo privado de pesquisa, a Aliança Mundial para a Natureza (UICN), foi consagrado em 1987 quando a ex-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland o utilizou em um informe feito para a ONU, em que dizia da imprescindibilidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico.

A despeito disso, o que se tem observado nos modelos de desenvolvimento econômico vigentes é predominantemente um completo desequilíbrio entre o aspecto ambiental, econômico e social. O ordenamento econômico propiciou uma desproporção inversa na distribuição dos riscos e da produção dos bens e serviços de consumo, colocando de um lado a parcela da sociedade que tem a propriedade dos recursos naturais e que tem dinheiro para adquirir os bens e serviços de consumo direta ou indiretamente oriundos do meio ambiente, de outro a parcela da sociedade que além de não ter acesso ao consumo ainda tem de arcar com a maior parte do ônus da degradação ambiental.

A pobreza dificulta o acesso à informação, implicando na falta de conscientização ambiental e jurídica, ao mesmo tempo em que impede a obtenção por parte dos prejudicados de uma infra-estrutura de precaução ou de reparação contra os efeitos da degradação. Na proximidade das comunidades citadas ficam os lixões, as indústrias poluidoras e os depósitos de rejeitos, incluindo os de resíduos tóxicos e radioativos. A contaminação da água, do ar e do solo e a extração desordenada do patrimônio natural ocorrem com facilidade, já que nem a mídia nem o Poder Público demonstram preocupação.

Paralelamente nesses lugares as medidas de recuperação do meio ambiente, como o reflorestamento ou a descontaminação de um rio, raramente acontecem. É uma triste ironia que os moradores do depósito de lixo da sociedade não tenham direito aos bens que a natureza proporciona, sejam industrializados ou não, oferecidos pelo mercado. Na realidade, a parte que coube a esses “severinos” no latifúndio do planeta, além dos sete palmos de terra contaminada, foi a alta incidência de doenças como asma, alergia e câncer e a completa falta de condições sanitárias para trabalhar, estudar e viver.

Admitir que os textos legais consagrem o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o acesso equitativo aos recursos naturais, sem levar em consideração os condicionamentos sociais concretos, implica na prática na aceitação e na consagração das desigualdades e injustiças existentes[4]. Diante disso, é preciso que a repartição do acesso material ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na sociedade de risco seja estudada a partir da perspectiva da luta de classes no espaço social, tendo em vista a relação inversamente proporcional entre a sujeição aos riscos ecológicos e, por conseqüência, aos danos ambientais, e a condição econômica e social dos indivíduos e grupos da sociedade. Referências

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, associacionismo e publicismo no Direito do Ambiente: ou o rio da minha terra e as incertezas do Direito Público. Ambiente e Consumo, Lisboa, Centro de Estudos Jurídicos, 1996, v. I.

MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. KISS, Alexandre. Justiça ambiental e religiões cristãs. In: Desafios do Direito Ambiental no século XXI – estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado.

KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (orgs). São Paulo: Malheiros, 2005.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1997.
-------------------------------------------------------------------------------- [1] KISS, Alexandre. Justiça ambiental e religiões cristãs. In: Desafios do Direito Ambiental no século XXI – estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (orgs). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47-48.
[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, associacionismo e publicismo no Direito do Ambiente: ou o rio da minha terra e as incertezas do Direito Público. Ambiente e Consumo, Lisboa, Centro de Estudos Jurídicos, 1996, v. I, p. 156.
[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 43-47.
[4] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1997, p. 42-43.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Capa do Livro "Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco"


Sumário do Livro "Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco"

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

A LEI DE BIOSSEGURANÇA E A BAIXA
CONSTITUCIONALIDADE DAS QUESTÕES AMBIENTAIS
NO BRASIL
Roberta Camineiro Baggio 23

NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA: BREVE ANÁLISE
SOBRE A SUA CONSTITUCIONALIDADE
Melissa Ely Melo
Caroline Ruschel 63

PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E A REGULAÇÃO DOS RISCOS
DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS:
UM CAMINHO DE DÉFICITS E EXCESSOS NA POLÍTICA
NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA
Patryck de Araújo Ayala 97

A BIOTECNOLOGIA E A PERPLEXIDADE DO DIREITO:
UMA PERSPECTIVA A PARTIR DO RISCO
Thaís Emília de Sousa Viegas 169

BIOSSEGURANÇA NO BRASIL, LEIGOS E PERITOS:
NOTAS A PARTIR DO SOCIOCONSTRUTIVISMO
Ana Paula Marcante Soares 207

TRANSGÊNICOS NO BRASIL: A NECESSIDADE DE
DEBATER A GOVERNANÇA DE NOVAS TECNOLOGIAS
Julia S. Guivant 225

EXPLOSIVIDADE SOCIAL E POLÍTICA DO BIORRISCO:
O CASO DO “DESERTO VERDE”
Rafael Ferreira Filippin 263

SAÚDE E BIOSSEGURANÇA
Paulo Roney Ávila Fagúndez 289

RISCOS E CIDADES: RESÍDUOS SÓLIDOS E
PLANEJAMENTO URBANO- AMBIENTAL
Larissa Verri Boratti 313

UMA ANÁLISE DO IMPACTO DA SOCIEDADE DE RISCO
NA BIODIVERSIDADE DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
ITAJAÍ ATRAVÉS DO EXAME DE JURISPRUDÊNCIAS DO
ESTADO DE SANTA CATARINA
Nicolau Cardoso Neto 367

APONTAMENTOS SOBRE A POSSIBILIDADE DE
COBRANÇA DE COMPENSAÇÃO AMBIENTAL
NOS LICENCIAMENTOS DE ATIVIDADES COM OGMS
Azor El Achkar 393

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO LICENCIAMENTO
AMBIENTAL DE ORGANISMOS GENETICAMENTE
MODIFICADOS
Talden Farias 419

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC):
INSTRUMENTO ADEQUADO AOS INTERESSES
AMBIENTAIS NA SOCIEDADE DE RISCO
Vanessa Fernandes de Tunes Machado 461

A NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA E A POSSIBILIDADE DE
CONTROLE JUDICIAL DOS DANOS AMBIENTAIS FUTUROS
Délton Winter de Carvalho 509

O DIREITO À INFORMAÇÃO E A LIBERAÇÃO COMERCIAL
DA SOJA TRANSGÊNICA ROUND UP READY NO BRASIL:
UM BREVE ESTUDO DE CASO
Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira 529

BREVES APONTAMENTOS SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL
PREVENTIVA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO
Pietro Tabarin Volponi 563

"Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança na Sociedade de Risco"

Mais abaixo eu passo a reproduzir agora as palavras do professor Paulo Róney Ávila Fagúndez, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e Doutor em Direito pela mesma instituição, na divulgação do livro "Aspectos destacados da Lei de Biossegurança na sociedade de risco", obra organizada por ele e pelo professor José Rubens Morato Leite e recentemente publicada pela Editora Conceito, de Florianópolis. Ao total são dezesseis capítulos comentando aspectos diferentes da Lei nº 11.105/05, sendo o décimo segundo, intitulado "Considerações a respeito do licenciamento ambiental de organismos geneticamente modificados", de minha autoria. Eis o texto do professor Paulo Róney:

"Prezado Colegas, informamos o lançamento do nosso livro ASPECTOS DESTACADOS DA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA SOCIEDADE DE RISCO, pela Editora Conceito.

Autores: José Rubens Leite e Paulo Roney Ávila Fagúndez

Quais são as conseqüências do desenvolvimento tecnológico? O que acontecerá ao ser humano se continuarmos a consumir produtos transgênicos? Qual o impacto dos transgênicos na Natureza? Há pouco temos a real dimensão do estrago causado pela agricultura química no meio ambiente e na vida das pessoas. Quantas pessoas morreram e morrem, e quantos indivíduos sofrem as conseqüências do emprego da química no combate às pragas? Os transgênicos podem produzir danos severos ao organismo e à Natureza. Há contaminação do solo, das nascentes, de tudo.

Produzimos grãos em quantidade suficiente para matar a fome da humanidade. Para a mudança há a necessidade de uma cultura para a saúde, enfim, de uma educação para a paz. As leis não serão suficientes para a mudança de mentalidade. A questão ambiental está voltada para a vida e para o futuro da humanidade.

Por conseguinte, a fim de tentar esclarecer algumas questões levantadas acima, vem à lume esta obra publicada pela Conceito Editorial, dividida em 16 capítulos, que reúne vários pesquisadores, principalmente do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco, que irão tratar dos Aspectos Destacados da Lei de Biossegurança, partindo da perspectiva da Teoria do Risco Ambiental".

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Os Bancos e a Responsabilidade Ambiental

É notório que tanto a qualidade de vida quanto a própria continuidade da vida dependem diretamente do equilíbrio ecológico do meio ambiente. Tal verdade científica foi consagrada pela Constituição Federal de 1988, que alçou no artigo 225 o meio ambiente à condição de direito fundamental. O mesmo dispositivo constitucional dispõe que é obrigação de todos zelar pelo meio ambiente – dever que inclui qualquer pessoa, desde os indivíduos até as empresas e o Estado.

De uma maneira geral os bancos têm passado ao largo disso, agindo como se o assunto em nada dissesse respeito à atividade. Para a maior parte das instituições bancárias a preocupação com o meio ambiente se restringe à atividade produtiva. Contudo, estudiosos como Paulo Affonso Leme Machado entendem que o sistema financeiro também se submete à legislação ambiental, pois não podem os bancos contribuir para a degradação ao financiarem atividades degradantes.

Como a produção depende do capital financeiro, o papel das instituições bancárias em matéria ambiental é importantíssimo. Em regra são os bancos que viabilizam a construção das grandes obras e a operação das maiores atividades industriais, que são normalmente as responsáveis pelos desastres naturais. Aos bancos internacionais, por exemplo, coube a responsabilidade pela priorização nos paises em desenvolvimento de atividades degradantes em detrimento de um desenvolvimento sustentável.

Vale salientar o pioneirismo da Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, ao condicionar no artigo 12 o crédito e o financiamento governamental ao licenciamento ambiental. Humberto Adami, o maior estudioso do tema no país, entende que o procedimento deve ser seguido pelas instituições bancárias particulares e públicas. Ele defende ainda que os próprios bancos devem requerer estudos prévios de impacto ambiental a fim de saber se financiam ou não uma determinada atividade.

Se a Constituição Federal elenca no artigo 170 a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica, é evidente que os bancos têm que incorporar a vertente ambiental, pois a condição de agentes financiadores do desenvolvimento não se faz aleatoriamente à crise ambiental do planeta. Do contrário, podem ser enquadrados devido à omissão como co-responsáveis ou responsáveis indiretos pelos danos ao meio ambientais, devendo sofrer as cominações legais necessárias.

Direito à Água e Sustentabilidade Hídrica

De todos os recursos ambientais a água é, inquestionavelmente, o mais importante. Não existe nenhuma forma de vida conhecida que não precise dela para sobreviver e para se desenvolver. Além de indispensável à vida, a água doce é o suporte da maioria das atividades econômicas e sociais, como abastecimento público, agricultura, geração de energia, indústria, pecuária, recreação, transporte e turismo. Historicamente, o desenvolvimento cultural e econômico das grandes civilizações sempre esteve relacionado à disposição desse recurso.

Conhecida coentificamente como “hidróxido de hidrogênio” ou “monóxido de di-hidrogênio”, a água é uma substância líquida composta por hidrogênio e oxigênio cuja fórmula química é H2O. É uma substância que existe de maneira abundante, chegando a cobrir três quartos da superfície planetária, podendo ser encontrada na forma de oceanos, calotas polares, nuvens, águas de chuva, aquíferos ou gelo. O problema é que, de tudo, somente três por cento da água existente no planeta é salgada, e mesmo assim parte significativa desse percentual está acessível.

Faz algumas décadas que o uso e o consumo da água doce parece estar chegando a um impasse, principalmente por causa da degradação, do desperdício, da explosão demográfica, da má distribuição e do modelo insustentável de desenvolvimento econômico adotado pela maioria dos países. De fato, de todos os problemas ambientais a escassez quantitativa e qualitativa da água doce parece ser, incomparavelmente, o mais grave e urgente.

Enquanto a quantidade de água no planeta tem permanecido praticamente inalterada nos últimos quinhentos milhões de anos, o crescimento demográfico atinge proporções nunca alcançadas. O ciclo hidrológico, que é o processo de circulação das águas, incluindo os fenômenos de evaporação, precipitação, transporte, escoamento superficial, infiltração, retenção e percolação, é quase o mesmo de cem, duzentos ou dois mil anos atrás. Calcula-se que existem no planeta atualmente cerca de cinco bilhões e meio de pessoas e que, em vinte anos, haverá oito bilhões e meio, já que a população aumenta à razão de noventa milhões de pessoas a cada ano.

No entanto, faz um século que o consumo de água doce cresce em ritmo pelo menos duas vezes maior do que o aumento populacional. Isso significa que se uma das causas da escassez é o aumento populacional, de outro lado o aumento do consumo por pessoa também serve como causa disso. Além de quantitativa, a escassez também pode ser qualitativa, em virtude do lançamento de matérias ou energia na água em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Normalmente, a poluição hídrica é causada pelo lançamento de esgoto residencial, de resíduos industriais ou de fertilizantes agrícolas em quantidade acima da capacidade de resiliência do corpo hídrico em questão. Inclusive, a água contaminada é a maior causa de mortalidade infantil em todo o planeta.

Outro aspecto de grande relevância nessa problemática é a distribuição, pois enquanto em alguns países os recursos hídricos existem em abundância em outros há escassez – e, às vezes, o mesmo país possui áreas de abundância e áreas de escassez. Nos lugares de escassez a tendência é aumentar o número de conflitos, e nos lugares de abundância o desperdício e a poluição podem reduzir a disponibilidade desse recurso. Isso significa que, além de quantidade e da qualidade, a água precisa também ser bem distribuída.

A comunidade cientifica alerta que o acesso à água doce, que serve para o consumo humano e animal, será cada vez mais difícil. Infelizmente, é possível até imaginar, como aconteceu recentemente com o petróleo, que em poucos anos a água seja motivo para guerras de grande proporção. Em certo aspecto a guerra hídrica já é uma realidade, pois há tempos Síria, Líbano e Jordânia competem pelo acesso às águas do rio Jordão, Índia e Paquistão pelo acesso às águas do rio Indo e Índia e Blangadesh pelo acesso às águas do rio Ganges. Tais conflitos também ocorrem, e inclusive com maior intensidade, no âmbito interno de cada país, colocando em lados separados os vários atores políticos interessados na utilização da água.

Em vários países a falta de água doce é um processo crônico, a exemplo da Arábia Saudita, da Argélia, da Bélgica, do Egito, de Israel e do Kwait. No Brasil, a escassez é frequente em Estados como Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, além do Distrito Federal e da região metropolitana de São Paulo.

Diante desse quadro, faz-se necessário que cada Estado passe a controlar a utilização da água doce por meio de um sistema de gerenciamento de recursos hídricos eficiente, de forma a manter a quantidade e a qualidade desse bem e a promover o seu acesso por parte da população. Com esse objetivo foi editada a Lei n° 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, modificando significativamente o regime jurídico brasileiro da água.

Ao estabelecer o direito à água das gerações presentes e futuras e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, a lei em comento consagrou expressamente o desenvolvimento sustentável como objetivo da Política Nacional de Recursos Hídricos. Por sustentabilidade hídrica se deve compreender a disponibilidade quantitativa, a disponibilidade qualitativa e o acesso eqüitativo, dentro dos usos e das necessidades de cada bacia hidrográfica.

O Brasil, por ser detentor de quinze por cento da água doce existente no mundo e possuidor de bacias hidrográficas de enorme relevância, a exemplo do Amazonas, do Tocantins, do São Francisco, do Paraná, do Paraguai e do Uruguai, possui uma especial responsabilidade nesse tipo de assunto. Nesse sentido, a Lei n° 9.433/97 representou um passo importante, mas é preciso avançar em ações efetivas e na promoção de uma educação ambiental que alcance verdadeiramente a todos.

É sabido que a questão da água, seja no que diz respeito à quantidade, à qualidade e ao acesso eqüitativo, é a mais urgente de toda a problemática ambiental. Logo, a água não é um mero insumo dentro da cadeia produtiva, como os detentores do capital gostariam que fosse, devendo ser compreendida como um direito fundamental da pessoa humana, de forma que o seu acesso deve ter prioridade absoluta em relação ao orçamento público e às demais políticas públicas.

domingo, 20 de janeiro de 2008

José Gregório de Moraes Navarro

Um dos assuntos pelo qual mais me interesso em matéria de meio ambiente é a história dos precursores do movimento ambientalista. Aqui no Brasil homens como José Bonifácio de Andrade e Joaquim Nabuco, com especial perspicácia, estão entre os que enxergaram essa problemática muito antes do seu tempo.

Contudo, outros nomes menos conhecidos, como José Gregório de Moraes Navarro, um magistrado que vivia no interior de Minas Gerais no final do século XVIII, momento de decadência de um ciclo de extração de ouro e de diamantes na região, também foram precursores e deixaram a sua contribuição para o movimento ambientalista brasileiro. A citação seguinte foi retirada da obra “Discurso sobre o melhoramento da economia rústica no Brasil”, de autoria de Moraes Navarro, que foi publicada em Lisboa no ano de 1799:

"De todos os elementos que Deus criou para glória Sua, e para utilidade dos homens, nenhum é certamente mais digno de contemplação do que a Terra, Mãe comum de todos os viventes. Ela nos faz ainda hoje o mesmo agasalho que fizera aos nascidos no princípio do mundo. Nem a multidão imensa de famílias que a tem habitado, nem a terrível inundação e naufrágio que ela sofreu com todos os seus filhos criminosos, nem as diversas e espantosas revoluções que a tem muitas vezes quase lançado fora do seu eixo, nem a longa sucessão dos séculos que tudo muda e consome, são capazes de esterilizar o gérmen fecundo de sua fertilidade. Ela será sempre, até o fim do mundo, tão liberal e benéfica como foi no princípio.... apesar da ingratidão dos homens, que parece que trabalham continuamente para destruir e aniquilar as suas naturais produções, e para consumir e enfraquecer a sua primitiva substância."

A propósito, o historiador José Augusto Pádua se aprofunda nessa temática no livro "Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888)", publicada pela Jorge Zahar Editor em 2002, fazendo uma espécie de arqueologia do pensamento ambientalista do tempo do Império.

O Colapso Planetário

Ao longo da história as catástrofes naturais sempre foram um dos fatores determinantes, e possivelmente o de maior relevância, para a ascenção e queda das civilizações. No livro “A Terra em balanço – ecologia e o espírito humano”, o senador e ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore aponta uma série de ocasiões em que a ruptura dos padrões climáticos estáveis resultou em graves problemas sociais.

Uma possível mudança no ciclo das chuvas e dos ventos ocorrida na África, Europa e Oriente Médio teria feito com que o povo Micena deixasse o Egeu. A queda abrupta na temperatura da Europa de 1315 a 1517 fez com que nos anos seguintes as colehitas fossem péssimas, o que gerou desnutrição generalizada e aumento da suscetibilidade a doenças. A erupção do vulcão Tambora, na Indonésia, no ano de 1815, alterou a composição da atmosfera global de tal maneira que na Europa geou durante todo o verão e, nos três anos seguintes, houve chuva em excesso – o que acarretou a perda da safra e, por consequência, fome, desespero e violência.

Com efeito, inúmeros são os casos em que nações ou povos inteiros desapareceram, foram obrigados a se deslocar ou ficaram na miséria devido à falta ou ao excesso de chuvas e de ventos, ao aumento ou a diminuição da temperatura e ao acontecimento de erupções, furacões, inundações, maremotos, terremotos e tornados.

Mas não é sem propósito que tais fatos são relembrados, visto que nos últimos anos o número de catástrofes naturais tem aumentado estrondosamente. O tsunami no sudeste asiático, o furacão Catarina na região sul brasileira, os incêndios em países como Espanha e Portugal por conta do calor excessivo, enchentes na Alemanha e na China, terremotos no Perú, os furacões Katrina, Ophelia e Rita nos Estados Unidos, o terremoto na Indonésia são indícios de que o mundo não está muito bem.

É importante destacar que desde a história antiga não se tem notícia de tantas catástrofes ambientais seguidas. Na verdade, começa a se tornar um consenso a idéia de que existe uma crise ambiental planetária, que consiste na escassez dos recursos naturais e nas diversas catástrofes a nível global surgidas a partir das ações degradadoras do ser humano sobre a natureza.

A problemática ambiental é imensa e ameaça o futuro e o presente da humanidade: escassez de água potável, aquecimento global, buraco na camada de ozônio, superpopulação, desmatamento, desertificação, perda da biodiversidade e falta de tratamento dos resíduos industriais e urbanos são exemplos dos mais graves e urgentes problemas ambientais que a sociedade mundial está enfrentando. A questão agora é saber o quanto essas catástrofes naturais estão sendo causadas ou pelo menos influenciadas pela ação humana.

A esse respeito é esclarecedor a obra do ornitólogo, fisiologista animal e geógrafo norte-americano Jared Diamond, cujo livro “Colapso – como as sociedades escolhem o sucesso ou o fracasso” foi lançado no Brasil ao final do ano passado pela editora Record. Na obra ao analisar o declínio das civilizações o professor da Universidade da Califórnia chegou à conclusão de que a motivação ambiental é um dos elementos mais importantes.

Nesse aspecto, questões como mudança climática causada pelo ser humano, acúmulo de lixo químico, falta de energia e de superutilização da capacidade de fotossíntese são mais relevantes do que as guerras. Isso significa que o sucesso e o fracasso das civilizações, que pode ser entendido como a sua continuidade ou o ocaso, está diretamente relacionado à forma como as mesmas se relacionam com o meio ambiente.

No entendimento de Jared Diamond estariam entre os povos que decaíram por tal questão os maias, os polinésios da Ilha da Páscoa, os anasazis do Novo México, os vikings em suas colônias da Groenlândia, entre outros inúmeros exemplos.

No caso dos maias, ele afirma que o crescimento da população por volta do século VIII fez com que as florestas fossem dizimadas para dar lugar ao plantio de milho, fazendo o solo se esgotar rapidamente. A manutenção do estilo de vida dos governantes e sacerdotes aliada a uma seca prolongada resultou no esgotamento dos recursos naturais e na extinção da civilização.

Já no caso dos polinésios da Ilha da Páscoa, os recursos ambientais, como aves nativas, frangos e tubérculos, foram sendo consumidos em um ritmo acima da capacidade natural de renovação. Enquanto os dozes clãs existentes competiam pela construção do maior moal, que são esculturas em pedra com valor político e ritualístico, a miséria e a pobreza tomou conta do lugar.

Mais do que uma curiosidade histórica ou uma mera teoria científica, os ensinamentos do professor e escritor são importantes porque podem ser perfeitamente aplicados ao tempo presente. Nesse diapasão, é importante lembrar que das cinco razões apontadas para a extinção das sociedades, que são as mudanças climáticas, as modificações no meio ambiente, a pressão de uma vizinhança hostil, a dependência de parceiros comerciais amistosos e a forma como a sociedade reage aos seus problemas, esta é a mais relevante.

Para Jared Diamond os Estados Unidos e a China estão repetindo os erros do passado, ao consumirem os recursos naturais em uma velocidade tamanha e para sustentar um padrão de vida que não se coaduna com os limites do planeta. Em certo aspecto é possível atribuir esse autismo ambiental a toda a sociedade internacional, que elegeu como ideal o modelo norte-americano de consumo e de relacionamento com o meio ambiente.

Enquanto instituições internacionais alertam como o Fundo Mundial para a Natureza alertam que o ser humano já ultrapassou em mais de vinte por cento os limites ecológicos da Terra, parece que a vontade de enfrentar esses problemas não passa além dos discursos. O problema é que, diferentemente das civilizações apontadas pelo geógrafo, cujo declínio teve repercussão eminentemente local ou regional, no mundo globalizado qualquer colapso ambiental será necessariamente planetário.

Sendo assim, é preciso reagir de forma rápida e positiva a esses problemas, já que é dessa reação que dependerá realmente o futuro da raça humana e do planeta. Para isso é necessário que haja um empenho de toda a sociedade civil internacional, além dos governos e dos grupos econômicos, no sentido de cobrar e de implementar um novo paradigma na relação do ser humano com o meio ambiente.

Professor Vasconcelos Sobrinho

O ecologista e professor universitário João de Vasconcelos Sobrinho é um dos maiores nomes brasileiros na luta pela defesa do meio ambiente. Ele nasceu em Moreno no dia 28 de abril de 1908 e morreu no Recife em 1989, no Estado de Pernambuco.

Ele foi um dos fundadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, do Jardim Botânico do Recife, da Estação Ecológica de Tapacurá e da Associação Pernambucana de Defesa do Meio Ambiente. Exerceu cargos importantes, como diretor do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, consultor da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste e vice-reitor da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

O professor Vasconcelos Sobrinho introduziu o estudo da Ecologia como ciência na universidade brasileira, ao criar a disciplina “Ecologia conservacionista”. Ele ministrou centenas de palestras e publicou cerca de trinta livros e uma infinidade de artigos sobre ecologia e conservação dos recursos naturais.

Da sua obra se destacam os livros “As regiões naturais de Pernambuco, o meio e a civilização”, “As regiões naturais do Nordeste, o meio e a civilização”, “Metodologia para identificação dos processos de desertificação: manual de indicadores” e “Processos de desertificação ocorrentes no Nordeste do Brasil: sua gênese e sua contenção”. Entretanto, Manuel Correia de Andrade destaca “Catecismo da ecologia” na condição de obra precursora dos estudos sobre o meio ambiente no Brasil, ao tratar de assuntos como a mata atlântica e a degradação do Rio São Francisco. Para o historiador e geógrafo, o trabalho de Vasconcelos Sobrinho é tão importante para o meio ambiente quanto o de Josué de Castro em relação à fome.

Ainda ao final da década de quarenta ele começou a tratar da questão da desertificação e em decorrência disso ganhou prestígio nacional e internacional como engenheiro agrônomo e ecólogo, tendo sido inclusive o primeiro cientista brasileiro a denunciar o problema. Por isso o governo brasileiro o escolheu como principal representante na Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação, que ocorreu no ano de 1977 em Nairóbi, e nos seminários que antecederam a mesma.

O professor Vasconcelos Sobrinho antecipou a conceituação ampla de meio ambiente, ao entendê-lo como a junção de fatores não apenas de ordem biológica, física e química, mas também cultural, econômica e social. Ele foi um dos pioneiros no Brasil a combater o entendimento do meio ambiente como algo alheio ao ser humano, um paradigma que ainda hoje encontra dificuldades para ser enfrentado.

Para a formulação da disciplina científica denominada “Desertologia”, por exemplo, o professor Vasconcelos Sobrinho propôs não o estudo dos desertos e sim uma abordagem integrada dos elementos acarretadores da degradação dos solos, da flora e dos recursos hídricos e suas conseqüências, levando em consideração fatores ambientais, culturais e socioeconômicos. Nesse sentido, ele também antecipou a noção de interdisciplinaridade, outro conceito muito importante em matéria de meio ambiente, ao apregoar que a desertificação deveria ser estudada pelos vários tipos de engenheiros bem como pelos biólogos, ecólogos, economistas, paisagistas, sociólogos etc.

Também em relação ao estudo da caatinga o professor Vasconcelos Sobrinho se destacou como pioneiro, posto que antes dele esse bioma era considerado sinônimo de miséria e escassez de recursos ambientais. Ele conseguiu provar que, além de ser muito rico, o patrimônio biológico da caatinga único no planeta, a ponto de incluir inúmeras espécies que só podem ser encontradas no nordeste brasileiro.

É o caso da barriguda, amburana, aroeira, umbu, baraúna, maniçoba, macambira, mandacaru e juazeiro, em se tratando da flora, do sapo-cururu, asa-branca, cotia, preá, veado-catingueiro, tatu-peba, sagüi-do-nordeste e cachorro-do-mato. Em virtude disso, a data de aniversário do professor Vasconcelos Sobrinho foi instituída como o dia nacional da caatinga por meio de decreto presidencial.

No entanto, mais do que um cientista ou um intelectual o professor Vasconcelos Sobrinho se destacou como alguém que despertou o amor pelo meio ambiente e que disseminou práticas efetivas nesse sentido. Algo que serve para ilustrar isso é o belíssimo texto que ele escreveu, chamado de “Os dez mandamentos da Ecologia”:

1. Ama a Deus sobre todas as coisas e a Natureza como a ti mesmo.
2. Não defenderás a Natureza em vão, apenas com palavras, mas através de teus atos.
3. Guardarás as florestas virgens, pois tua vida depende delas.
4. Honrarás a fauna, a flora, todas as formas de vida, e não apenas a humana.
5. Não matarás.
6. Não pecarás contra a pureza do ar deixando que a indústria suje o que a criança respira.
7. Não furtarás da terra sua camada de húmus, raspando-a com o trator, condenando o solo à esterilidade.
8. Não levantarás falso testemunho dizendo que o lucro e o progresso justificam teus crimes.
9. Não desejarás para teu proveito que as fontes e os rios se envenenem com o lixo industrial.
10. Não cobiçarás objetos e adornos para cuja fabricação é preciso destruir a paisagem: a terra também pertence aos que ainda estão por nascer.

O Patricarca do Ambientalismo Brasileiro

José Bonifácio de Andrada e Silva é inquestionavelmente umas das figuras mais interessantes e intrigantes da história brasileira, em virtude da sua sensibilidade para os problemas nacionais e da sua inteligência multifária e extremamente aguçada. Por conta dos relevantes serviços que prestou à pátria, ele ficou conhecido como o ‘patriarca da independência’.

Oriundo de uma família aristocrática luzitana, José Bonifácio nasceu em Santos, no litoral paulista, no dia 13 de junho de 1763. Formou-se em Filosofia Natural em 1787 e em Ciências Jurídicas e Sociais em 1788 na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde também cursou especialização em Mineralogia e Mineração em 1789.

Tornou-se membro da Maçonaria e da Academia das Ciências de Lisbôa e viajou por inúmeros países europeus na condição de mineralogista do governo português, gozando de enorme prestígio na sociedade luzitana da época. Árduo defensor dos direitos e das liberdades individuais, o ambiente político da época o influenciou de tal forma que ele se sentou na obrigação de trazer as idéias iluministas para o Brasil.

O primeiro cargo de destaque de José Bonifácio foi a vice-presidência da Junta Governativa do Estado de São Paulo, em 1821. Ele foi o primeiro brasileiro de nascimento a ocupar uma pasta ministerial – o Ministério do Reino, por indicação de D. Pedro I –, sendo considerado o grande mentor da independência brasileira em virtude das estratégias e articulações políticas que fez.

Depois de ser eleito para a Assembléia Constituinte de 1823, foi obrigado a deixar o país por ordem do Imperador. Ao voltar para o Brasil, ele se aproxima de D. Pedro I em 1831 quando este renuncia à Coroa e o indica como tutor de seu filho, o futuro Imperador D. Pedro II, cargo do qual seria destituído dois anos depois pelo regente Diogo António Feijó.

É claro que inúmeros outros fatos relevantes a respeito de sua vida política e intelectual poderiam ser também levantados, mas o objetivo deste texto é destacar uma faceta sua menos conhecida. Trata-se da intensa preocupação que esse grande brasileiro tinha com relação ao meio ambiente e aos recursos naturais.

Com efeito, há patricamente dois séculos José Bonifácio denunciava e escrevia sobre a forma equivocada como o ser humano se relacionava com a natureza. O mais interessante é que naquela época ele já compreendia os fenômenos naturais de uma forma ecológica e ecossistêmica, ao fazer a interelação entre os aspectos ambientais, econômicos e sociais.

Esse caráter holístico está presente na seguinte frase de José Bonifácio citada por Vladimir Passos de Freitas no livro “Direito Ambiental em Evolução” (Editora Juruá): “Se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuva, não há chuvas sem umidade, não há umidade sem floresta”. De fato, é impressionante a ligação que ela fez entre a economia e o equilíbrio do meio ambiente.

No livro “Obra Política de José Bonifácio” (Editora do Senado), que foi organizado por Octaciano Nogueira e publicado pela em 1973, é possível retirar um trecho do texto “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura” em que a relação de causa e efeito dos atos dos seres humanos sobre a natureza é destacado: “A Natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então este dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos”. Em última análise ele quer dizer que o ser humano é dependente da natureza, e ao destrui-la está destruindo a si mesmo.

No texto intitulado “Necessidade de uma Academia de Agricultura no Brasil”, integrante da referida obra, José Bonifácio afirma o seguinte: “Como, pois, se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? A ignorância, sem dúvida. (...) Destruir matas virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza. Que defesa produziremos no tribunal da Razão, quando os nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos?”. Por um lado foi enfatizada a indisponibilidade desses bens ambientais, e por outro se ressaltou a responsabilidade dos seres humanos com as gerações futuras.

Durante muito tempo os historiadores e os demais cientistas socias brasileiros afirmaram que a preocupação com o meio ambiente chegou ao Brasil na década de secenta e setenta como um reflexo do pensamento e das ebulições sociais dos países de primeiro mundo. A razão disso é que, na opinião de tais entendidos, somente uma sociedade desenvolvida estaria em condições de se dedicar às questões ambientais.

Contudo, no livro “Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista” (Ediotra Jorge Zahar) José Augusto Pádua demonstra que existia uma reflexão, bastante avançada para a época sobre a temática ambiental no Brasil colonial. E José Bonifácio de Andrada e Silva se sobressai inquestionavelmente como o primeiro e grande pensador do meio ambiente no século retrasado, podendo por isso ser chamado também de patriarca do ambientalismo brasileiro.

Perfil

Advogado, consultor jurídico e professor de Direito Ambiental e Urbanístico.